segunda-feira, janeiro 26, 2015

Entrevistas Antigas a Autores de BD (IV) - António Ruivo



Continuando a reproduzir entrevistas que fiz em meados da década de oitenta, no jornal Diário Popular, mais propriamente num suplemento intitulado "Tablóide", cabe hoje a vez a um novo que me mostrara umas bandas desenhadas de sua autoria, e que me surpreenderam. António Ruivo, o seu nome, tanto quanto sei desapareceu da área da BD e, sinceramente, perdi-lhe o rasto.

Pode ser que alguém veja a reprodução desta entrevista, acompanhada da prancha inicial da sua bd "O Beco" (que aqui será mostrada na totalidade em "post" futuro), e ele me contacte. Gostaria de saber o que tem feito, se voltou a fazer alguma coisa de BD.

A entrevista que se segue foi publicada na edição de 9 de Novembro de 1985, do desaparecido vespertino Diário Popular, jornal de grande prestígio, de âmbito nacional, que se editava em Lisboa. 
E um dos aspectos que julgo com interesse é apercebermo-nos do que se pensava nessa década acerca da BD.
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Ser profissional de BD
é talvez um sonho
mas quero tentar

- diz, bem acordado, António Ruivo


Entre os jovens que gostam de fazer banda desenhada, poucos são aqueles que, actualmente, se interessam por temas de mistério e terror, ou de "western".
Não é esse o caso de António Ruivo. Ele sente uma especial atracção - artística, evidentemente - por esses ambientes, além de que possui notável - porventura perigosa - facilidade em assimilar o grafismo de alguns grandes mestres de ambos os géneros.

"O Beco", a banda desenhada que se inicia neste número de TABLÓIDE, é bem demonstrativa do talento polivalente deste jovem: ele é, simultaneamente, imaginoso argumentista e brilhante realizador gráfico. Neste último aspecto, para além de uma invulgar capacidade técnica, salienta-se o cuidado na recriação dos ambientes e a planificação de ritmo cinematográfico.

Nascido em Lisboa, a dezasseis de Novembro de 1964, José António Emídio Martins Ruivo completou o 12º Ano e está, neste momento, a cumprir o serviço militar obrigatório. A sua produtividade afrouxou por esse motivo, mas não a sua intensa atracção pela banda desenhada.

"Ler BD é o meu passatempo favorito, sem qualquer dúvida" - diz António Ruivo. "Por outro lado, quando a estou a fazer, dá uma trabalheira dos diabos. Mas dá o dobro do gozo..."

Eis o que seria ideal: cada um de nós trabalhar naquilo que verdadeiramente nos desse prazer... Mas, claro, há outras coisas a considerar: ganhar para a bucha, pagar a renda da sua própria casa, num futuro breve, enfim, organizar a sua vida. A banda desenhada dar-lhe-á essa possibilidade?

"Sobre o ponto de vista profissional não me estou a ver a fazer mais nada. Talvez seja uma ilusão, um sonho, mas estou disposto a tentar essa via... Depois logo se vê."

É natural que um jovem seja assim, entusiasta, sonhador...
Mas os pais desse jovem, como encararão eles este entusiasmo por uma coisa que, se calhar, menosprezam?

"A minha mãe diz: «Mas isso dá alguma coisa?» O meu pai reforça: «Só estás p'raí a cansar a vista!...»"

E o público apressado que passa pelas bancas dos ardinas, que vagamente olha para as capas coloridas daquelas revistas com nomes curiosos - «Mosquito» (1), «Mundo de Aventuras», «Jornal da BD», «Falcão» - o que pensará ele deste entusiasmo renascido à volta das velhas histórias aos quadradinhos? Começará esse público - jovem ou adulto, o gosto pela BD não sofre a barreira das idades... -, começará ele a sentir mais interesse pela banda desenhada?

"Acho que quem terá uma palavra a dizer sobre isso serão os editores e livreiros, pois certamente possuem números sobre vendas que reflectirão o menor ou maior interesse da parte do público relativamente à BD. 
No entanto, o número de editoras e publicações que passaram a incluir BD nos seus catálogos e páginas aumentou, assim como apareceram novas editoras e algumas novas revistas. Penso, por isso, que o interesse do público aumentou. Quanto mais não seja por todas estas editoras e publicações o estarem a despertar."

Portanto, na opinião de António Ruivo, o ambiente em Portugal, actualmente, é favorável à BD. Será isto?

"Estamos longe do ambiente ideal, claro! Mas tudo isto é relativo, sabe? temos de ver a situação económica actual do público, e como ela está, penso que apesar de tudo não será o pior possível. Continua-se a publicar bastante BD.
Mesmo assim, embora os autores portugueses comecem a aparecer mais, a grande percentagem é de BD estrangeira."

É um facto. Todavia, à frente de duas das principais revistas portuguesas, está um senhor da BD, Jorge Magalhães, que puxa pelos novos sempre que pode.

"É isso mesmo. Tanto assim que foi no «Mundo de Aventuras» (nº 558, de 1 de Setembro último) que apareceu um western intitulado "Shannon" que fiz em sete pranchas. É a minha única banda desenhada publicada até agora."

Shannon, uma personagem do Oeste americano, um herói criado por Ruivo. É para continuar?

"Tinha realmente a intenção de continuar, com o «Shannon», embora em moldes diferentes, tanto a nível gráfico como na psicologia das personagens. Para além disso, e apesar de ter alguns outros argumentos para mais histórias, nenhum deles é destinado a personagem fixa."

Piremo-nos do Oeste. Faz um calor dos demónios, zunem-nos as balas aos ouvidos. Voltemos p'ràs bandas lusitanas e falemos dos nossos desenhadores. Nomes a destacar?

"Victor Mesquita, E.T.Coelho, Augusto Trigo, Fernando Relvas."

Estrangeiros?

"Berni Wrightson, um desenhador incrível; também Frazetta, Hermann, Giraud, Harold Foster... enfim, tantos génios!"

Desses, há três que guiam, insensivelmente talvez, a mão de António Ruivo quando desenha. Mas, claro: não há ninguém que comece que não sofra influências...

"Bem, quanto às influências nas personagens que crio, tento que elas sejam o menos possível. Se a nível gráfico não consigo, por enquanto, evitar certas referências, pretendo que os intervenientes nas minhas histórias sejam diferentes de quaisquer outras.
É claro que em meia dúzia de páginas isto é difícil provar."

Os temas favoritos são evidentes quando se vêem as bandas desenhadas deste jovem que tenho à minha frente.
Deu-me agora para o observar melhor: tem um tipo pouco vulgar, este António Ruivo. Talvez isso se deva aos óculos redondos, à John Lennon, e ao cabelo sempre curto... É curioso: não o imaginaria, se o visse na rua, se não o conhecesse, a fazer bandas desenhadas de «cow-boys», monstros mutantes, coisas assim...

"Os meus temas favoritos são realmente o «western» e a ficção fantástica. Quer dizer: algo que engloba a ficção científica, o horror, o fantástico... Sei lá! Tudo o que a imaginação conseguir conceber."

E temas portugueses? Dá para experimentar um dia?

"Já tive a ideia de escrever e desenhar algo no contexto histórico da época dos Descobrimentos; no entanto, por questão de tempo que implicaria uma investigação, e a necessidade de documentação rigorosa, achei por bem dedicar-me a outras coisas. Mas no futuro, e talvez sobre outro aspecto, com um bom argumento... é muito possível."

E outra hipótese, talvez menos difícil: um herói português em ambientes estranhos?

"É uma ideia. Ideia que, aliás, já me tinha ocorrido. Falta pensar melhor sobre isso, e talvez crie qualquer coisa. Ideias tenho eu muitas, por enquanto falta-me é tempo. Não fosse isso e eu já tinha feito umas coisas meio esquisitas, pode crer!"

Heróis de papel, tantos os nomes que toda a gente conhece: Flash Gordon, Tarzan, Príncipe Valente, Rip Kirby, Steve Canyon, Cuto, Mandrake, Corto Maltese...
Excepcionais para o António Ruivo, quais são?

"Olhe: Bernard Prince e Comanche são duas séries cujo conjunto de personagens, clima psicológico e aventuresco considero excepcionais. Como os seus autores, aliás. 
Ah! E Thorgal. Tal como as outras, foi uma série que me cativou desde a primeira leitura."

Para terminar, vamos lá a uma curiosidadezinha doméstica: que pensa do "Tablóide"?

"Penso que é uma oportunidade para os jovens valores da BD portuguesa verem os seus trabalhos publicados. É uma iniciativa a elogiar e apoiar sobre todos os ângulos. Pela minha parte, só uma palavra: obrigado."

Ora, António Ruivo, você e todos os jovens - e até alguns, já bem menos jovens... - que em solidões prolongadas, enchem pranchas e pranchas de desenhos, num gosto e numa luta tão pouco valorizada, bem merecem, no mínimo, este TABLÓIDE.      

(1) Nesta altura estava em publicação a 5ª Série, editada pela Editorial Futura

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Os interessados em ler as entrevistas anteriores (a Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões) poderão fazê-lo clicando no item Entrevistas antigas a autores de BD visível no rodapé

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