sexta-feira, janeiro 01, 2016

Happy New Year com o Little Nemo





É com uma estranha personagem, de aspecto bizarro, careca e de asas avantajadas, que se inicia um episódio curto, auto-conclusivo, da obra-prima Litlle Nemo in Slumberland.

Father Time, nome pelo qual é apresentada a personagem, surge na vinheta central da primeira tira a ler uma carta onde o rei lhe ordena que convença o pequeno Nemo a visitar Slumberland. 

Prontamente, à meia-noite, o Pai Tempo surge no quarto de Nemo, saúda-o, e de forma amável e respeitosa, deseja-lhe Happy New Year to you, sir.

Esta prancha, uma das belíssimas que se podem admirar ao longo das páginas de Little Nemo in Slumberland, de Winsor McCay, está reproduzida num calendário de 1992, respeitante ao mês de Janeiro.

O calendário é totalmente dedicado a doze personagens da banda desenhada clássica americana. Além do Little Nemo, surgem na galeria os seguintes: Gasoline Alley, Buck Rogers, Dot and Dash, Krazy Kat, Prince Valiant, The Kin-der-Kids, Dingle Hoofer und his dog Adolph, Mutt and Jeff, Bringing Up Father, Thimble Theater, Napoleon. 

Trata-se de uma valiosa peça produzida graças à cooperação entre a San Francisco Academy of Comic Art e o conceituado especialista de BD, Bill Blackbeard.

Por analogia com os votos expressados pelo Father Time ao dorminhoco sonhador Little Nemo, esta foi a forma mais apropriada que me ocorreu para também desejar um bom Ano Novo de 2016 aos visitantes deste blogue, sonhadores acordados graças à nobre arte da BD. 
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WINSOR McCAY

Síntese biobibliográfica

Entre os numerosos escoceses chegados ao Canadá, na primeira metade do século XIX, estava o casal Donald McKay e Christiana McKay (sim, com K, por estranho que pareça; qual a explicação para a intrigante mudança para McCay, lá chegaremos).
Instalados em Ontario, é aí que nascem os seus seis filhos, o terceiro dos quais, Roberto McKay, nascido em 1840, desposará a vizinha Janet, e com ela irá instalar-se nos Estados Unidos.

Meses mais tarde, Janet regressa a Ontario, e aí dá à luz o seu primeiro filho, a 26 de Setembro de 1867. Em homenagem ao patrão de Donald, o industrial Zenas G. Winsor, o bebé recebe o nome de Zenas Winsor McKay.

No decurso da sua vida artística, o jovem porá de parte o invulgar nome próprio Zenas, que só por curiosidade - e para não deturpar a verdade biográfica - aqui é citado, e transformará McKay em McCay, justificando a mudança por iniciativa de seu pai que, na iminência de uma disputa entre o clã dos McKay, escocês, e o dos Magee, irlandês, se excusou a participar, com a matreira justificação de ele ser do clã McCay, e por isso nada ter a ver com o apelido McKay. "E foi assim - contava Winsor - que recebi o meu nome e o meu sentido de humor".

Em 1886, com dezanove anos, vamos encontrá-lo no Cleary’s Business College d’Ypsilanti, para fazer estudos comerciais. Assunto que não lhe merece qualquer interesse, visto que o desejo de ser desenhador era bem mais intenso. E é na cidade de Detroit que o jovem Winsor começa a fazer retratos para ganhar a vida.

A partir daí, ele sente que já tem o rumo traçado, mas procura local mais próprio, nada menos do que Chicago, onde chega em 1889.

Windsor Z. McCay é o nome (deturpado, claro) com que é recenseado na categoria de impressor, mas no ano seguinte já aparece como artista.

Dois anos mais tarde Winsor vai para Cincinati, onde pinta cartazes que lhe atraem alguma celebridade. Conhece Maude Leonor Dufour, que tem apenas catorze anos, com quem casa.

Em 1896, a 21 de Junho, nasce o seu filho Robert Winsor, que lhe serviria de modelo para o Nemo, em 1905, tinha Robert nove anos. Daí que Nemo, nos sonhos, tanto pareça umas vezes ter quatro, cinco anos, como oito ou nove, dependendo do episódio.

O passo seguinte será dado em New York, onde começa a trabalhar para dois jornais de James Gordon Bennet Jr., fazendo ilustração de reportagens e de ficções, entre as quais o Barão Munchäusen. Mas o seu sonho era fazer uma “comic strip” que fosse distribuída por uma boa agência (a que os americanos chamam “syndicate”, embora em Portugal haja muito boa gente responsável a traduzir erroneamente por “sindicato”, ignorando que a isso os americanos chamam “unions”).

Em 1903, ainda em Cincinati, ele tinha realizado a sua primeira banda desenhada, Tales of the Jungle Imps of Félix Fiddle.
Já em Nova Iorque, ele cria outras séries, entre as quais Little Sammy Sneeze, para o jornal “New York Herald”, para onde irá criar a obra-prima Little Nemo in Slumberland, a cores na totalidade, com a primeira prancha impressa na edição de 15 de Outubro de 1905.

Após o contrato expirado com o New York Herald, McCay continua a obra noutro jornal, o New York American, alterando o título para In the Land of Wonderful Dreams.

Em 1924, de regresso ao Herald Tribune (o novo nome do New York Herald), ele torna a desenhar o Little Nemo, sob o antigo título, mas já sem qualquer êxito, passando a fazer ilustrações a partir de 1927, para subsistir, até ao fim da sua vida, o que aconteceu em 26 de Julho de 1934.

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LITTLE NEMO IN SLUMBERLAND



Little Nemo in Slumberland

Tal como acontece noutras formas de arte, há obras-primas na Banda Desenhada. Little Nemo in Slumberland é uma delas.

Apesar da sua extrema sofisticação estética, esta obra cumpriu a sua existência num suporte caracterizadamente popular: foi publicada em jornais, ao ritmo de uma página semanal, a cores, em suplementos dominicais.

Com início em 15 de Outubro de 1905 - cumprem-se hoje, precisamente, cem anos! -, não é difícil imaginar o deslumbramento causado aos leitores do jornal pelo virtuosismo gráfico de cada página, no enorme formato "broadsheet" (equivalente ao do semanário "Expresso") que valorizava as magníficas imagens criadas pelo autor/artista Winsor McCay.

A obra teve hiatos na publicação, mudou de jornal, dividindo-se por isso em três ciclos. O primeiro, de qualidade superlativa, publicou-se entre Outubro de 1905 e Julho de 1911; o segundo, com o título modificado para In the Land of Wonderful Dreams, foi divulgado de Setembro de 1911 a Julho de 1914; o terceiro, e último, entre Agosto de 1924 e Dezembro de 1926.

Se o título inicial da obra, e o mais famoso, Little Nemo in Slumberland, fosse traduzido literalmente, teríamos O Pequeno Ninguém na Terra da Sonolência. É curioso reparar-se que Nemo em latim significa “ninguém”. Isto talvez queira dizer que teve escassa existência física – o autor quase que apenas o põe a agir, fisicamente, raras vezes no início do episódio, quando se está a deitar, e sempre na última vinheta de cada episódio, no momento em que acorda do sonho – com frequência, pesadelo –, ou por cair da cama, ou ao ser acordado, umas vezes pelo pai, outras pela mãe.

Outro aspecto que chama a atenção aos leitores mais observadores: a idade de Nemo é dificilmente definível. Na única imagem real que dele se pode observar – a da sua recorrente queda da cama – ele não aparenta mais do que quatro anos. Mas há por vezes evidente desfasamento em relação a alguns sonhos, demonstrativos de outra idade, talvez seis anos, e mesmo assim precoces em algumas circunstâncias.

É o caso da cena em que Nemo aperta a rainha Cristalete nos braços, e beija na boca aquela personagem bem mais crescida do que ele, e a intensidade com que a beija faz com que ela se estilhace de imediato. Será que ele repete algo que também lhe fizeram? Será imagem para ser analisada por um pedopsiquiatra...

Há muitas, mas mesmo muitas outras cenas que valeria a pena escalpelizar, por serem bastante curiosas, como é o caso da que foi publicada originalmente em 31 de Dezembro de 1905.
Nela, Winsor McCay desenha Nemo fazendo com que aparente várias idades ao longo da prancha, começando com seis anos e passando para nove, em seguida para quinze, depois para vinte e cinco, e acaba a mostrá-lo com noventa e nove anos – faltou apenas um para ter os cem que agora, em 2005, se festejam em termos cronológicos.
 

(Texto escrito inicialmente numa postagem de 2005)       

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