"Quando abrires este jornal, é possível que penses:«Mais um jornal para rapazes?». Era assim que se iniciava o texto de apresentação, não assinado, mas que seria decerto do director, Adolfo Simões Müller, em 13 de Outubro de 1962, há 45 anos. Hoje, certinhos.
E continuava assim a conversa:
"Não! Ao apresentar ao público juvenil o primeiro número do jornal «ZORRO», esperamos sinceramente que ele não seja MAIS UM JORNAL, mas o verdadeiro jornal dos jovens, feito para eles e por eles. Pocurámos, de facto, elaborar uma revista de acordo com as preferências dos leitores manifestadas através de vários inquéritos e das numerosas sugestões que nos têm chegado. Daí o formato de algibeira, o aspecto gráfico moderno e o conteúdo incluindo sempre uma aventura ilustrada completa, várias séries de «histórias em quadradinhos» em continuação (...)"
Cerca de quatro anos mais tarde, estava-se a 11 de Junho de 1966 (na capa festejava-se a noite essencialmente lisboeta de Santo António), e 192 números publicados, finava-se o sonho, com a amargura a ressaltar do texto de despedida, naturalmente do director, num artigo intitulado "Até breve!". Dizia ele, em palavras quase diametralmente opostas às da apresentação:
"Com este número vai cessar o diálogo vivo e amigo entre este magazine e os seus milhares de leitores. Dizemos milhares para acentuar bem como é grande o público do «Zorro». E, no entanto, esse número é insuficiente para permitir manter uma publicação com as características deste semanário, necessariamente caro.
Parece que grande parte do público juvenil do nosso país está um pouco desinteressado desta fórmula que é o semanário ilustrado (...) O mundo de hoje, com o cinema, a rádio, a TV e outras distracções, dir-se-ia afastar os nossos jovens da leitura (...)"
Estas palavras parecem ter sido escritas hoje, tal a sua actualidade. Apenas se teria de acrescentar, como motivos de afastamento da leitura, os jogos de vídeo, de consola e de computador, os "chats" na internet, e os copos nas noites de fins-de-semana prolongados, a partir de 5ª feira. Mas, claro, continua a haver uma significativa camada de gente - estamos a falar de quem se interessa pelas artes e pela cultura - com prazer na leitura/visionamento da banda desenhada. Não sejamos derrotistas...
Depois disso editou-se a [revista] Tintin, entre 1968 e 1982, com grande êxito nos primeiros dez anos, mais coisa menos coisa, e acabou no décimo quarto ano, com as vendas a baixarem visivelmente.
Que ilação se pode extrair deste facto recorrente? Eu costumo dizer que os bedéfilos são essencialmente volúveis e maldizentes. Volúveis porque o entusiasmo dura somente uma dúzia de anos ou pouco mais. A partir daí começam a dizer mal de tudo o que a revista publica, e vão deixando de comprar, até que os editores se rendem à evidência, e acaba a publicação.
A capa do Zorro - Magazine da Juventude, nº 5, de 10 Nov. 1962
No caso do Zorro, não se pode dizer que fosse por falta de motivos de interesse em termos bedéfilos. Muitas séries e heróis populares lhe animaram as páginas, como por exemplo Lucky Luke, Tintin (aliás, grafado Tim-Tim) e Astérix, três pesos pesados no que se refere a popularidade.
Capa do "magazine da juventude" Zorro, nº 26, de 6 Abr. 1963, em que é anunciado o episódio "Tim-Tim em As Jóias da Prima-Dona" (assim então chamaram a Madame Bianca Castafiore)
Uderzo, desenhador de Astérix, era também quem concretizava a imagem de Michel Tanguy, presente, com os seus aviões, nas páginas do Zorro. Talvez com menos impacte junto dos leitores, mas com qualidade gráfica e de argumento, houve ainda as séries Marc Dacier, Buck Danny, Charlie Chan (este em episódios autoconclusivos de umas tantas páginas em cada número), Lolocas e Pompom (Modeste et Pompom, no original), Buffalo Bill, Sexton Blake, Robin dos Bosques, Gaston Lagaffe (baptizado em português por Zacarias...), Sexton Blake (tal como este, vários dos mencionados "heróis" tinham sido êxitos no Cavaleiro Andante -1952/1962-, publicação congénere anterior regida pelo mesmo director), Umpá-pá (com esta grafia aportuguesada), Jerry Spring, Blondin et Cirage (versão portuguesa: Loirinho e Escarumba), Bessy, Jean Valhardi, Johan et Pirluit (transformados em "O Cavaleiro Patali"), Spirou et Fantasio ("Serafim e Flausino"), Jo, Zette e Jocko (que apareciam com estes seus nomes de origem nos episódios "O Manitoba não responde" e "A erupção do Karamako", mas que viriam mais tarde a ser forçados a adoptar os nomes de Joana, João e o macaco Simão), Howard Flynn, Michel Vaillant (Miguel Gusmão, não soa a nome de corredor de automóveis, mas foi o que lhe conseguiram arranjar mais parecido, digo eu).
As duas primeiras páginas do episódio Astérix e a foice doirada, título com que surgia esta famosa série na revista Zorro, no nº 27 de 13 Abril 1963
A plêiade de personagens deste jornal infanto-juvenil tinha resultado de uma boa selecção, onde não faltaria Astérix, mais o seu inseparável Obelix, apresentado como "alfaiate e distribuidor de menires", também Cantarix (assim se chamava o bardo, igualmente empossado da função de "professor-ensina os meninos", e o chefe supremo da aldeia era o Bigodix (a tendência para alterar os nomes das personagens de Goscinny e Uderzo já vem de longe), todos estes estão à disposição visual dos leitores a partir do nº 27, de 13 de Abril de 1963.
Falar-se de personagens da BD implica referir nomes dos autores-artistas e argumentistas que as criaram. E muitos deles são hoje bem sonantes.
Apesar de terem desaparecido praticamente todas as assinaturas (porque seria?), detectam-se, pelo estilo, entre os estrangeiros: Guido Buzzelli (é verdade!), Caprioli, Jijé, Franquin, Peyo, Hans Kresse, um dos Blasco (talvez o Alejandro), Mitacq, Morris, Hergé, Eddy Paape, Victor Hubinon, Renato Polese, Aidans, Raymond Reding, Weinberg, Gerald Forton, William Vance, Jean Graton, Tibet, Jacques Martin, Funcken...
Os portugueses é que foram poucos. Houve capas desenhadas por Zé (José Pires), Manuel Ferreira (um muito bom desenhador pouco referenciado) e José Garcês. Este último, ao nível de BD, foi o único colaborador, tendo recriado, por exemplo, a figura de Texas Jack (!)
E pronto. Como "tristezas não pagam dívidas", assim diz o povo, a [revista] Zorro finou-se, num alegre dia de Santo António, com a feérica ilustração da capa do nº 192 a esconder a tristeza da circunstância de ser o derradeiro.
Zorro - semanário juvenil
Formato: 15x21cm
Director: Adolfo Simões Muller
Editor: M. Nunes de Carvalho
Propriedade da E.N.P. (Empresa Nacional de Publicidade)
Administração: Av. da Liberdade, 266
Lisboa
Telefone 48104 (!)
Excelente "post" este, cheio de curiosidades. Parabéns, Lino.
ResponderEliminarSe me permites uma sugestão, aqui vai: porque não fazeres um "post" onde indicarias os nomes originais dos personagesn ou das séries e os nomes aportuguesados pelo Estado Novo? Talvez dê trabalho (porque serão certamente muitos) mas teria (pelo menos para mim) um enorme interesse.
PS: Essa do Miguel Gusmão não lembra a ninguém, de facto...
Abraço
Tive essa mesma ideia há muitos anos, e cheguei a ter uma lista, mas feita em papel, porque ainda não tinha computador, e perdi de vista o papel. Depois, sabes como é, mete-se muita coisa pelo meio, cada vez fui tendo mais compromissos, e esse seria um trabalho homérico(para não ficar muito incompleto). Ao fazer este estudo da revista Zorro, observei mais uma vez uma série de casos, dos quais até mencionei alguns, e voltou-me a vontade de mexer no assunto. Mas também, pensando friamente, um blogue é um espaço de escrita algo ingrato: às vezes escrevo um artigo (ou "post") que me dá bastante trabalho, pergunto a A ou B (pesoas que sei que teriam interesse no assunto) e dizem-me (honestamente), "não vi, não tenho tido tempo para ir à net". E como rapidamente esse "post" fica escondido, submerso pelos seguintes, aí está todo um trabalho que apenas ficou visível por um dia (claro que os "posts" ficam à vista, lá para baixo, mas quantos visitantes ultrapassam o limiar do blogue, por outras palavras, quem se dá ao trabalho de ver "posts" atrasados?
ResponderEliminarNão ficas sem resposta: todos sabemos as desvantagens do blogue (nomeadamente a que referes). De qualquer modo, só há relativamente pouco tempo é que te tornaste um "bloguista"! Até aí, o teu suporte favorito era o papel. Logo, eu reformulo o desafio: porque não publicares um artigo (ou criares um fanzine, não sei) com esta temática? Seria bem interessante, acredita...
ResponderEliminarPensa nisso...
Abraço
Bem, Carlos Rico, tudo é relativo: como bloguista, de facto este blogue só tem dois anos e dez meses (embora já tenha havido blogues que duraram menos do que isto), mas não te esqueças de que tenho um "site", o "Sítio dos Fanzines" já um bom bocado antigo. E julgo que não sabes mas, no [portal] Interdinâmica (do J.J.Monsanto, antigo autor de BD no Mundo de Aventuras), um portal pioneiro da Internet, comecei lá a colaborar, escrevendo sobre BD (claro que a parte técnica era feita pelo meu amigo João Monsanto, assim como a parte técnica do "site" "Sítio dos Fanzines" é feita pelo´meu amigo Álvaro, o webmaster - ele é mais tipo "webgajo" -). Na Interdinâmica" foi já há há muitos anos, como podes confirmar se fores ao "Dicionário" do leonardo De Sá e António Dias de Deus, no verbete dedicado ao Monsanto, João, com quem aliás voltei a colaborar (ele é persistente e insistente) e onde tenho o "site" "Do fundo do meu blogue", não sei se já alguma vez visitaste.
ResponderEliminarEm todo o caso, quanto a esse tema da alteração de nomes das personagens da BD, espicaçaste-me, e posso dizer-te que, como andei a mexer em "O Papagaio", "Cavaleiro Andante" e "Zorro", ocorreu-me mexer outra vez nessa minha antiga ideia e fazer um pequeno estudo, pelo menos para as personagens do Hergé, visto que ainda se está no ano do centenário do nascimento do dito cujo.
Abraço e saudações bedéfilas.
Óptimo, óptimo. Mesmo sendo um estudo "apenas" relacionado com as personagens de Hergé, já não é nada mau. Força com isso. Já agora, onde vais publicar o estudo? No blogue?
ResponderEliminarEntretanto, de vez em quando irei "fazer pressão" de modo a que a idéia inicial não se perca...
Peço desculpa por esta insistência mas creio que o assunto é extremamente interessante e merece ser trabalhado por quem sabe destas coisas. Não quero que pareça que estou a mandar o trabalho para cima de ti mas, de facto, tu és uma das pessoas mais qualificadas para o fazer e como te sentes "espicaçado" há que "aproveitar"...
Saudações bedéfilas
Já sei, já sei: onde se lê "idéia" deve ler-se "ideia"...
ResponderEliminarNão perguntes como veio aqui parar este acento porque eu também não sei.
Vamos a ver. Sabes que eu estou sempre metido em muita coisa, por vezes em simultâneo. E a internet (trabalhar nos dois blogues, ver os dos outros, ver o e-mail, responder), implica o gasto de umas horas. Depois, há muitas outras tarefas adicionais (estive a semana passada em Badajoz a falar sobre a BD portuguesa, amanhã vou participar no júri do concurso de BD da Amadora, na 5ª feira parto para os Açores (Terceira, Angra do Heroísmo, para ser membro do júri dos Novos Valores, na área da BD)...
ResponderEliminarO tempo, infelizmente, não é elástico. Mas, pronto, como já te disse, já decidi que vou fazer isso para as personagens do Hergé, e, quem sabe, talvez a seguir me ocorra outro tema (séries americanas, por exemplo, com o Johnny Hazzard a ser o João Tempestade:-)
Talvez...
Saudações bedéfilas.
Amigo Lino
ResponderEliminarSubescrevo as palavras do Carlos Rico, e acho mesmo que devia acrescentar a sua sábia explicação, para que os mais jovens percebessem o porquê do aportuguesado dos nomes dos heróis.
Cá fico aguardando.
Um abraço
Labas
É um excelente desafio. O Mundo de Aventuras constitui um manancial de exemplos de aportuguesamento de heróis: Trucutu (!), João Tempestade, Luís Ciclone (Steve Canyon), Luís Euripo (Big Ben Bolt), Roldan, o Temerário (Flash Gordon!), Cisco, o Mexicano (Cisko Kid). Já o Prícipe Valente e o Fantasma não ficavam nada mal...
ResponderEliminarSaudações bedéfilas.
Voltei atrás, a ver comentários a "posts" anteriores, o que só faço raramente (fazer isso sistematicamente implicaria mais umas horas de net). Mas este "flashback" permitiu-me saber que tenho mais um bedéfilo conhecedor, chamado Flávio Santos (de Lisboa?). Quanto a esses nomes de personagens de BD modificados para o idioma de cada país, isso aconteceu com frequência. Julgo que sabe que Roldan, nome com que Flash Gordon apareceu no Mundo de Aventuras, pela 1ª vez, em 1949, já vinha de Espanha assim? E quanto ao Trucutu (Alley Oop, estou a escrever de memória, não tenho absoluta certeza se este nome está escrito correctamente), presumo que esse estranho nome, que lhe mereceu um ponto de exlamação, terá sido mais ou menos copiado do que lhe foi dado no Brasil, o de Brucutu?!
ResponderEliminarMeu caro Geraldes Lino,
ResponderEliminarSim, sou bedéfilo, de Carnaxide. Convivi desde miúdo com a BD. Embora nascido em 1969 tive acesso ao Cavaleiro Andante, ao Zorro (li n vezes as Aventuras de Bessy, que adorava), ao Mundo de Aventuras e ainda fui a tempo de acompanhar o saudoso Jornal do Cuto, que volta e meia ainda folheio com agrado e emoção. Depois, claro, havia o Tintin e mais tarde o Spirou, o Jacaré, a 2ª série do Spirou, etc.
Tem razão quanto à origem do nome Roldan, tal como se passou com o
de Luís Ciclón. Quando escrevi o comentário anterior não estava em casa e não me lembrava do nome original Alley Oop, que o meu amigo recordou a preceito.
Um dos meus hobbies é coleccionar revistas antigas e completar colecções. Confesso que não sou grande adepto da BD actual, com algumas excepções (como a excelente sequela de "História sem Heróis").
Votos (desnecessários) de continuação de excelente trabalho de divulgação da BD de todos os tempos.
Muito bom. Fartei-me de aprender. E tomo a liberdade de pedir a sua sensibilidade acerca deste assunto: assim de repente, quanto poderia valer hoje esta colecção completa, se alguém a pretendesse comprar ou vender? Tem ideia? Obrigada!
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