Aproxima-se o último fim-de-semana do 6º Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. Nas anteriores edições - em anos de menos vacas magras... -, estes derradeiros dias costumavam ainda apresentar motivos atraentes que justificavam um retorno ao Alentejo das dezenas de lisboetas (os mais numerosos forasteiros) e uns tantos bedéfilos que lá estiveram de outras zonas do país, nomeadamente Senhora da Hora, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Porto, Coimbra, Óbidos, Caldas da Rainha, Leiria, Almada, Faro, embora estranhamente não tenha estado ninguém da Amadora (leia-se: nenhum responsável do respectivo Festival BD...)
Porém, sabendo da diminuição dos apoios ao bonito, animado e bem organizado evento bejense, ocorreu-me fazer uma curta entrevista com Paulo Monteiro, criador do festival e seu principal dinamizador, a fim de poder esclarecer algumas interrogações que têm surgido em conversas entre gente da BD que lá esteve, além de divulgar neste blogue quais os pontos de interesse para os apreciadores de BD que se queiram ainda deslocar a Beja.
Eis as perguntas e respectivas respostas:
GL - Paulo Monteiro: na inauguração deste Festival BD de Beja - ou seja, no primeiro fim de semana, dias 29 e 30 de Maio - estiveram presentes vários autores estrangeiros, desde o consagrado belga Hermann até alguns novos valores, casos do britânico Rufus Dayglo, do francês Hippolyte, dos gémeos brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá, do canadiano Niko Henrichon, do esloveno Jakob Klemencic...
Podes explicar os motivos que te levaram a concentrar todos os autores no início, e não haver nenhum convidado estrangeiro posteriormente?
Paulo Monteiro - Sim, e além desses, o italiano Fábio Civitelli, a norte-americana Dame Darcy, o croata Igor Hofbauer (e todos os autores portugueses representados nas exposições - cerca de 70 autores, no total)...
Para nós é muito importante que os autores possam estar presentes no dia da inauguração. Para nós é a inauguração do Festival, mas para os autores é a inauguração da sua própria exposição. Por uma questão de cortesia tentamos sempre que estejam presentes. Além disso, o facto de estarem reunidos na inauguração permite-nos potenciar a sua presença, criando um fim-de-semana verdadeiramente alucinante, com várias coisas a acontecer ao mesmo tempo (como aconteceu este ano), no meio de um ambiente descontraído que permita grande interacção com os visitantes. O facto de termos entre nós todos estes autores no primeiro fim-de-semana também nos permite chamar muitas centenas de pessoas a Beja (para além dos visitantes da cidade e da região) conferindo outra dinâmica ao evento. É apenas um fim-de-semana, mas a verdade é que grande parte dos festivais europeus dura 4 dias.
Após o primeiro fim-de-semana apostamos numa programação diária mais contida, virada essencialmente para o público local. Não é que não gostássemos de fazer de todos os dias do Festival uma enorme festa, mas a verdade é que Beja é uma pequena cidade, muito afastada dos grandes centros urbanos (Lisboa e Sevilha são as grandes cidades mais próximas).
Dificilmente as pessoas voltam a Beja depois de terem passado por cá no primeiro fim-de-semana. Só se a programação fosse tão fabulosa que se tornasse imperdível.
Ora nós trabalhamos no limite do nosso orçamento e das nossas forças. O núcleo duro do Festival sou eu, o Nuno Sousa e a Susa Monteiro - claro que contamos com o apoio dos nossos colegas da Câmara Municipal - do Parque de Materiais, do Serviço de Aprovisionamento, Gabinete de Informação e Relações Públicas, Tesouraria, etc., etc. (e com a colaboração de muitos amigos). Mas em termos de organização é uma equipa pequena, o que torna complicado fazer as coisas de outra maneira. Esta parece-nos a mais acertada e aquela que melhor funcionou. O primeiro fim-de-semana é, na verdade, fantástico! Nos dias restantes podem visitar-se as 21 exposições que compõem o Festival com outra calma e assistir à programação diária com outro ritmo. O que faz sentido, quando olhamos para as especificidades da própria região. As 5 edições do Festival mostraram-nos que este era o melhor caminho a seguir - e parece-nos o mais acertado. É complicado fazer um grande esforço financeiro no segundo ou no terceiro fim-de-semana para agregar à volta de uma iniciativa 100 ou 200 pessoas. Parece-nos mais lógico fazer isso logo no início. É melhor para o público (que não tem um minuto de aborrecimento) e melhor para os autores, que fazem destes dois dias uma verdadeira festa da banda desenhada (alguns dos autores estrangeiros chegaram a dizer-nos que nunca tinham estado num Festival com este ambiente e com esta dinâmica - ficámos muito felizes, claro). Por isso continuaremos a apostar nestes primeiros dias, juntando muitas centenas de pessoas.
GL - Hermann é um autor consagrado da BD europeia, indubitavelmente. Mas qual o critério que usaste para o escolheres para convidado do Festival, e não Moebius, ou Bilal, por exemplo?
Paulo Monteiro - É difícil estabelecer um critério, perante os nomes que apontas (poderiam estar muitos outros autores neste grupo), já tínhamos iniciado alguns contactos no sentido de convidar o Bilal e o Moebius a estarem presentes em Beja. O Hermann respondeu prontamente e ficámos muito felizes com a sua presença. Além disso é necessário não esquecer que é um autor com uma enorme dinâmica (continua a publicar com uma regularidade invejável) e tem uma verdadeira legião de fãs em Portugal (à qual não é alheia a divulgação do seu belo trabalho na revista Tintin, desde o final dos anos 60 até aos anos 80). O Hermann faz parte do imaginário de várias gerações e continua a criar novos leitores. Pensámos que seria interessante trazê-lo até Beja e proporcionar esse convívio com todos aqueles que apreciam a sua obra. Foi muito interessante, pois alguns leitores trouxeram as suas edições mais preciosas (algumas da extinta Íbis) para o Hermann autografar. Outros - principalmente os mais novos - compraram os seus livros pela primeira vez. É um verdadeiro "histórico" da banda desenhada europeia. Quanto ao Bilal, ao Moebius (e ao Manara, ao Frank Miller, etc.), quem sabe se no próximo ano ou nos seguintes não os teremos entre nós? Seria fantástico!
GL - Para dar uma ideia do festival a quem não pôde lá ir este ano, gostaria que após citares os títulos das exposições que o integram, esmiuçasses os motivos que te levaram a escolhê-las, que descrevesses algumas das pranchas originais que nelas se destacam, e falasses dos respectivos autores.
Paulo Monteiro - O Festival tem 21 exposições patentes ao público. Tentámos, como fazemos sempre, dar uma visão o mais abrangente possível da banda desenhada contemporânea nacional e internacional, trazendo a Beja autores que estão nos antípodas uns dos outros. O que terão em comum autores tão díspares como Fabio Civitelli (o autor do cowboy Tex) e Igor Hofbauer, com as suas pranchas intimistas? Tudo e ao mesmo tempo pouca coisa. Mas é isso que nos interessa: mostrar um bocadinho de tudo, independentemente de escolas, estilos ou até das "mensagens subliminares" de cada autor. Queremos fazer, antes de tudo, um Festival de autores. De todos os autores. Dai o facto de se encontrar uma variedade tão grande de propostas. E quando falo do Festival como um Festival de todos os autores é sempre nessa perspectiva: juntar autores consagrados com autores emergentes, sem fazer juizos de valor, sem separar águas... Não queremos ser um Festival "comercial" nem um Festival "alternativo", nem um Festival de "nomes incontornáveis" ou de "jovens promessas", mas sim um Festival de banda desenhada com tudo aquilo que ela tem em si de distinto. Essa heterogeneidade é, afinal, uma das suas maiores riquezas. Não faria sentido de outra forma. É claro que nos interessa ter grandes nomes da banda desenhada mundial entre nós. Mas isso não faria sentido se não mostrássemos os autores que estão agora a começar o seu percurso na difícil arte de contar histórias em imagens. É por isso que as escolhas que fazemos nunca são pessoais. Tentamos fazer uma escolha interessante dentro das diversas áreas, dando uma visão ecléctica da produção contemporânea: quem gosta apenas de mangá, fica a saber que existem muitíssimas outras propostas para lá da mangá. Quem aprecia os chamados "alternativos" pode eventualmente deparar-se com belas surpresas descobrindo outros autores. Interessa-nos que os estilos se contaminem, que se completem... Para o público menos informado, é uma oferta fantástica, que lhe dá a perfeita noção de que o universo da banda desenhada não se esgota em duas ou três referências. Temos conquistado alguns leitores com esta estratégia, o que nos parece fundamental. É urgente conquistar leitores. Isso só se consegue dando a ver tudo. Para que se possam fazer escolhas...
GL - Apresenta-me uma motivação suficientemente forte para convencer alguns dos visitantes do meu blogue a irem a Beja à ponta final (12 e 13 de Junho) desse Festival BD.
Paulo Monteiro - Podemos apresentar não uma, mas 21 motivações, que é o exacto número das exposições que estão patentes ao público. Muito diferentes umas das outras, cada qual a merecer uma visita demorada. E depois temos o Mercado do Livro (este ano já vendemos muitas centenas de títulos), o maior que realizámos até agora. Tem um pouco de tudo: desde as histórias monográficas acerca de várias cidades de Portugal (em banda desenhada, claro), até aos mais arrojados e "alternativos" artistas europeus. No que concerne à programação paralela, chamava a atenção para a passagem do filme "Twilight Zone", sexta-feira, à meia-noite, na Bedeteca, com apresentação (sempre fabulosa) de José Carlos Oliveira, e para o concerto que terá lugar na Galeria do Desassossego, no Sábado, onde se recriam vários ambientes ligados à Banda Desenhada. No Domingo faremos a Festa de encerramento, onde serão todos bem-vindos, e onde terão lugar várias surpresas (leilão de revistas e fanzines, sorteios, muita conversa, etc.). Hoje terá lugar a conferência/conversa sobre a relação entre o jazz e a banda desenhada, com muitas imagens à mistura, na Bedeteca, a partir das 21h30... Sei que gostarias de estar por cá (além disso vamos falar no teu fanzine Jazzbanda). Mas isso, para dar um mero exemplo, ia obrigar-te a fazer cerca de 400 quilómetros (ida e volta). Mais um motivo para a tal aposta no primeiro fim-de-semana... É bem certo que não descuramos os visitantes da cidade e da região. Mas um evento como este tem de ser pensado à escala nacional. É um dos nossos maiores desafios... Este ano correu muito bem. Para o ano repetiremos a fórmula, mas com outros atractivos, claro...
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Nota do bloguista
As três imagens no topo do "post" representam publicações editadas propositadamente para este festival.
Trata-se de duas revistas, Splaft! e Venham +5, e o mini-álbum Colecção Toupeira. Nestes mini-álbuns foram publicados, até agora, os seguintes autores: Véte (nº1, em 2005), Lam (nº2, 2006), Pedro Rocha Nogueira (nº3, 2007), Susa Monteiro (nº 4, 2008), Carlos Rocha (nº5, 2009) e agora Maria João Careto, desenho, e André Oliveira, argumento (nº6, 2010).
As três publicações têm coordenação de Paulo Monteiro, e a edição apresenta chancela dupla: Câmara Municipal de Beja - Bedeteca de Beja. Por esse facto, dificilmente poderão ser adquiridas fora da Feira do Livro inserida no festival.
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Vários festivais, salões e eventos afins foram anteriormente divulgados neste blogue. Para ter um panorama do que neles tem acontecido, ou qualquer outra finalidade, convirá visitar as respectivas postagens, que podem ser vistas com um simples clique na etiqueta inserida em rodapé
Bom dia, Geraldes. Peço desculpa por estar a contactá-lo por este meio, mas apareceu-me como a única forma de chegar a si. Vou passar a explicar-me melhor. Faço parte de uma turma de Produção e Marketing de Eventos da Restart. Como projecto final do curso, temos de organizar um evento real. Decidimos, então, fazer um tributo/homenagem a Malcolm McLaren, o manager dos Sex Pistols que faleceu agora em Abril. Para isso, vamos juntar algumas bandas de punk portuguesas, exibir um documentário, entre outros. Estamos agora na fase de promoção do evento. Para tal, decidimos substituir o tradicional flyer por uma fanzine, muito utilizada por elementos punk. Tomei conhecimento do seu blogue através de uma amiga minha que o entrevistou. Queríamos abrir a nossa fanzine com um pequeno manifesto e gostaríamos de lhe lançar o convite de o escrever. Gostaria também de lhe deixar o meu contacto para lhe poder explicar melhor o conceito do nosso evento. Dado o prazo apertado de entrega dos materiais na gráfica, agradeço a sua resposta breve. Obrigada! Eliana Fernandes. Tlm: 967665002; e-mail: eliana2003@msn.com
ResponderEliminarsó fico com pena de näo ter ido
ResponderEliminarpara o ano há mais
Nada a ver com o teu artigo, mas por acaso sabes alguma coisa sobre os autores do álbum que refiro aqui:
ResponderEliminarhttp://www.portaviii.com/8983/o-gigante-das-barbas-de-oiro/
Caro (desconhecido para mim) Paulo Brito:
ResponderEliminarConheço essa peça de que falas, possuo-a, mas não a encontro, no meio de milhentas revistas, álbuns e fanzines que atafulham a minha casa.
Mas posso dizer-te que conheço perfeitamente esse estilo de banda desenhada de autores ingleses. Todavia, eles nunca assinavam, e só com a consulta em livros publicados por estudiosos ingleses foi possível começarmos (nós, bedéfilos portugueses) a identificar uns tantos artistas ingleses de grande categoria..
Esse álbum já antigo que mostras no teu "site" (que já visitei, e de que gostei) contém uma obra de carácter infantil, e o seu autor chama-se Roy Wilson.
Saudações bedéfilas
Olá Eliana
ResponderEliminarJá falámos acerca do fanzine que vão editar, e lamento não ser a pessoa indicada para escrever sobre Malcolm McLaren.
Tenho um amigo que sabe muito de músicos e movimentos musicais, e contou-me muita coisa acerca dessa figura marcante do movimento punk, e que entre outras coisas foi empresário dos Sex Pistols. Mas esse meu amigo não está em condições psicológicas de escrever um artigo sobre o tema. Talvez o possa fazer para um próximo número do vosso fanzine.
Agradeço o contacto, e espero que consigam êxito no projecto.
A Eliana já sabe que gostaria muito de adquirir um exemplar do tal fanzine.
Abraço.