Na década de 1980, o editor da revista Coleccionando convidou-me para escrever algo que tivesse a ver com coleccionadores e colecções de banda desenhada.
O primeiro texto com que colaborei já aqui está postado no blogue, na rubrica homónima do título deste "post", na data de 22 de Junho de 2010, em que falei de várias invulgares colecções, mas o texto aparece truncado - falta uma considerável parte, terá sido algum vírus? -, só agora que vim ver o que tinha escrito dei por isso, e terei de o reescrever.
Neste segundo artigo que escrevi para a revista (nº3-Jan./Fev.1984), falei de álbuns de BD - género de publicação que tinha ganho grande força entre nós, em especial na década anterior.
É esse texto que em seguida reproduzirei, para facilitar a leitura, visto que os caracteres usados na revista eram de pequeno tamanho. Chamo a atenção para o facto de que esta narração já muito pouco tem a ver com a situação actual, mas não deixa de ser um exercício mental atraente cotejar situações editoriais, preços...
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COLECCIONANDO BANDA DESENHADA
Álbuns de BD, novo tipo de coleccionismo
Poucos serão aqueles que nunca tenham coleccionado uma qualquer revista de Banda Desenhada - pelo menos enquanto jovens.
Passados quinze, vinte, trinta anos, as pessoas lembram-se dessas revistas com saudade. Elas ficaram para sempre ligadas a acontecimentos da juventude - essa uma das razões que faz com que as nossas revistas antigas sejam cada vez mais procuradas.
O mesmo já não acontece com as actuais revistas de BD, que há muito sofrem uma tremenda concorrência da televisão (1). As pessoas, desde muito jovens, habituam-se ao género de episódios televisivos que duram o curto espaço de uma hora. Logicamente, deixaram de ter pachorra para seguir, semanalmente, as histórias de banda desenhada ao antigo estilo do "continua no próximo número".
Esta modificação, não extinguindo o gosto pela BD, muito generalizado em todas as camadas sociais e escalões etários, veio, contudo, beneficiar uma outra forma de publicação: os álbuns.
Com efeito, tem-se assistido nestes anos mais recentes, a um autêntico "boom" no que se refere a este tipo de edições (2). O que levará o público juvenil - e cada vez mais, também os adultos - a optarem pelos álbuns em detrimento das revistas periódicas?
Além da razão já apontada anteriormente - o hábito criado pelo visionamento das séries de televisão -, poder-se-á apontar para o atraente aspecto gráfico dos álbuns e a sua fácil arrumação nas estantes.
Este hábito ainda novo, mas cada vez com mais adeptos, faz com que tenham surgido editoras que apostam unicamente na edição de BD em álbuns. E assim vai renascendo o gosto pelas Histórias aos Quadradinhos, agora apresentadas em figurino porventura mais atraente para as novas gerações. E assim, também, vai nascendo um novo tipo de coleccionismo, o dos álbuns de banda desenhada. Que até já se pode subdividir em dois temas: BD Portuguesa e BD estrangeira.
Há ainda outro tipo de publicações que começa a ter muitos adeptos, em especial entre aquela camada de pessoas que gosta de aprofundar os conhecimentos: são os livros de estudo, análise e historiografia da Banda Desenhada.
No que se refere aos álbuns, estes últimos meses foram particularmente profícuos, e deles se traça, em seguida, um breve panorama.
ÁLBUNS DE BD
EM AVALANCHE
Natal e Fim-de-Ano - uma época que as editoras escolhem para o lançamento em força das suas edições. A Banda Desenhada teve largo quinhão nesta avalanche, que se tornou flagrante em algumas livrarias. Cite-se, como exemplo, a "Castil" (3) do Centro Comercial de Alvalade, que está a tornar-se num caso sério no que se refere à quantidade e qualidade das obras expostas.
No lote de peças importadas, destaca-se o "The Smithsonian Collection of Newspapers Comics". Não se trata, neste caso, de um álbum. Mas seria grave omissão não se mencionar aqui esta fabulosa recolha de "Sunday pages" dos jornais americanos, reproduzidas em tonalidades que não andarão muito longe das originais. Esta magnífica peça tem, como é fatal, um preço pouco acessível à maioria das bolsas: 4560$00! (4) O felizardo que escreve estas linhas teve a sorte de adquiri-la em Londres, há cerca de quatro anos, por oito libras e meia...
Passando às recentes edições nacionais, que apareceram em razoável abundância - em certa medida, superior às disponibilidades monetárias dos interessados -, podem citar-se alguns dos títulos expostos nos escaparates:
Barbarella - "A obra-prima"; Barba Ruiva - "O Demónio das Caraíbas"; Valérian - "Metro Chatelet, Direcção Cassiopeia" e "Pelos Caminhos do Espaço", na colecção 16/22; Blueberry - "Forte Navajo"; de Bilal, mais um título: "Memórias d'Além-Espaço"; Floc'h, que teve a sua estreia em Portugal no Jornal da BD, aparece agora também em álbum com o interessante "Encontro em Sevenoaks"; Corin, o grumete - "Rumo ao Ouro"; Léonard - "Génio a tempo inteiro"; Michel Vaillant, o popular herói, carrega no acelerador no percurso "Paris-Dakar!". Todos estes títulos pertencem à fornada natalícia de Meribérica/Líber, que fornece assim BD para todos os gostos.
A Editorial Presença, que teve boas tradições na BD, editou agora um álbum que explora a voga de ficção científica nas séries televisivas. Intitula-se "Esquadrão das Estrelas", e parece tentar assemelhar-se graficamente - com fracos resultados... - à famosa série inglesa Dan Dare. Desta mesma editora vê-se também uma série de livros dedicados ao ensino das técnicas de desenho, esses sim, de muito boa qualidade. Deles voltaremos a falar.
Das Publicações Dom Quixote saiu mais um volume, o décimo sexto da colecção A Descoberta do Mundo. Nele se podem ver/ler os episódios Mungo Park, com desenhos de Eduardo Teixeira Coelho, e Tombuctu, cidade proibida ilustrada por Enric Sió; da "História do Far-West", apareceu o 3ºvolume.
Da Editorial Futura, que teve magnífica actividade este ano, está ainda fresco O Incal Luminoso, de Moebius; também da "Antologia da BD Clássica" apareceu mais um volume, o oitavo, que engloba tiras diárias de Johnny Hazard, um excelente Frank Robbins dos anos cinquenta; quanto à Antologia da BD Portuguesa, estão à venda os dois primeiros volumes do Caminho do Oriente, de Raul Correia e E.T.Coelho.
Os Escorpiões do Deserto, de Hugo Pratt, e mais um Alix, no episódio "O Deus Selvagem", foram os títulos lançados em Dezembro pelas Edições 70.
Comès e Silêncio. Um autor e uma obra, ambos de qualidade. A surpresa veio da Bertrand. Desta mesma editora, actualmente com escassa produção na área da BD, vimos ainda um álbum de Thorgal, sob o título "A feiticeira traída"; mais um Astérix, ou melhor, o filho do dito; e ainda, estreia de dois autores: Jean-C. Denis, com um novo herói: Rup Bonchemin, no episódio "O chalé perdido", e Carlos Gimenez com Koolau o leproso.
Da Distri Editora surgiram, nos últimos meses do ano que findou, um conjunto de álbuns que apostam em três heróis de grande popularidade: Bernard Prince ("Aventura em Manhatan" e "O Porto dos Loucos"); Comanche ("O Dedo do Diabo" e "O Diabo Gritou de Alegria"); Michel Vaillant ("Óleo na Pista" e "O Circo de S. Francisco"). As nossas preferências vão para as duas séries citadas em primeiro lugar, quer pela qualidade dos argumentos, a nível de emoção, quer pelo excelente estilo do respectivo artista gráfico - Hermann, em ambos os casos.
Da Editora Vega -uma novidade que surpreendeu cá o escriba: um álbum que inclui três bandas desenhadas de E.T.Coelho: "O Tesouro", "Suave Milagre" e "O Defunto", todas baseadas em contos de Eça de Queirós. A apresentação é de muito bom gosto. Será para continuar?
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Deste ramalhete de álbuns extrai-se facilmente uma conclusão: havendo dinheiro, não faltam álbuns para enriquecer os acervos dos coleccionadores.
(1) (2) Relembro que este artigo foi publicado em 1984 (por acaso até houve uma revista espanhola com este ano por título, que coleccionei.
(3) Já fechou
(4) Ainda não tinha sido criado o euro.
Caro amigo e fã da Banda Desenhada dos anos de ouro..:)
ResponderEliminarSou o Gizmo do blog Tralhas Varias (tralhasvarias.blogspot.com) - não sei se conheces o blog.
Gostava de te convidar, se assim o desejares claro, a participar e ajudar neste projecto de reavivar as bandas desenhadas Portuguesas dos anos 70/80 e 90.
Se por acaso tiveres revistas que gostasses de partilhar com a comunidade, teria muito prazer em fazer o restauro, caso as pudesses digitalizar...
Grande abraço,
Gizmo