quinta-feira, maio 10, 2012

Críticas e Notícias sobre BD na Imprensa (XXIV)


A revista Ler, na sua edição de Maio, comemora vinte e cinco anos de existência (1987-2012),algo de notável neste país, no que se refere a uma publicação de índole cultural. Parabéns.

Num blogue dedicado à divulgação de banda desenhada, é natural que se dê destaque, de imediato, ao grafismo da capa, em que está bem evidente a influência estética da BD, graças ao ilustrador/autor de BD João Lemos.
A corroborar a ideia de que a BD está com forte presença nesta edição da Ler, vê-se, logo de seguida, na 4ª vinheta da prancha/capa, um balão de fala com a legenda "De Que Falamos Quando Falamos Hoje de BD Portuguesa"



Ora vamos lá então em demanda da resposta à pertinente questão. E quando chegamos às páginas 34/35 encontramos o mesmo título, com um grafismo que remete de novo para a BD (reproduzido no topo do post) e que indica a autoria do ensaio crítico: Sara Figueiredo Costa.

Para algum visitante deste blogue que a não conheça, fica a saber que se trata de categorizada ensaísta literária e crítica de BD (e bloguista (*) nestas duas áreas)

Sara Figueiredo Costa, com eficácia literária e profundo conhecimento do tema, elaborou um excepcional dossiê (de doze páginas!), dedicado à banda desenhada portuguesa.

Com algum desencanto e pragmatismo, Sara começa por afirmar:

"(...) Na última década, a edição de banda desenhada portuguesa desceu para números tão insignificantes que ninguém se deu ao trabalho de os contabilizar com pormenor. Antes de se arriscarem motivos, importa acrescentar elementos ao contexto, explicando que algumas editoras especializadas fecharam as portas ou assumiram a irregularidade como processo de trabalho, que vários autores se viraram para os mercados estrangeiros ou abandonaram a BD e que uma instituição com a relevância da Bedeteca de Lisboa passou a ser apenas mais uma biblioteca municipal, prescindindo de toda a programação que desenvolvia e onde se incluiam exposições, debates e alguma edição, para além de um site alimentado diariamente e de um dossiê anual que ajudava a aferir números e resultados práticos da cena editorial portuguesa. (...)"

Cita em seguida a afirmação de Diniz Conefrey, numa entrevista publicada no BDJornal nº 26 (Out. 2010): "O mercado de BD em Portugal chegou aos níveis mínimos, estando comparável ao mercado de poesia no que diz respeito ao número de leitores".

Embora tenha citado esta frase, a articulista ainda abre uma fresta de esperança, quando escreve: "Talvez a recente edição de Persépolis (Contraponto) que Marjane Satrapi criou a partir das suas vivências de infância e juventude no Irão dos aiatolas seguindo-se à de Blankets (Devir/Biblioteca de Alice), de Craig Thompson, graphic novel merecedora de integrar o cânone da ficção norte-americana do século XXI, possa começar a alterar este panorama (...)"

Continuando na sua análise, segue cronologicamente para os anos 90 do século XX. E descreve-os: "Em meados dessa década, assiste-se ao aparecimento de pequenas editoras que começam a lançar trabalhos que, até então, não se imaginariam publicáveis num mercado onde pontificavam as séries franco-belgas e alguns - escassos - livros de autores portugueses, frequentemente debruçados sobre temas históricos. Editoras como a Polvo, a BaleiAzul, a Chili Com Carne ou a Pedra No Charco protagonizaram uma viragem assinalável nas tendências editoriais do mercado português de BD (...)"

Que aconteceu a seguir?
"As explicações sobre a mudança radical entre a euforia de meados da década de 90 e o deserto que se foi instalando a partir do início deste século não são lineares. A saturação do mercado, que chegou a registar mais de 200 títulos anuais de BD (não apenas portuguesa), o pouco cuidado da maioria das livrarias numa exposição adequada de cada livro (...)" é a forma clarividente e realista com que Sara explica o evoluir do panorama da BD entre nós. 

Apesar de toda essa realidade de cunho negativo, o título "Falamos de autores que publicam contra todas as expectativas" (este título, como todos os seguintes, aparecem inseridos em balões de fala) assume uma noção optimista: "Quem queira acompanhar o que hoje fazem os autores portugueses de BD encontra um cenário mais animador do que aquele que marcou os últimos anos, mas estranhamente afastado dos espaços de maior visibilidade. Com a democratização dos meios de produção editorial, muitos autores criaram coletivos ou avançaram para a publicação em nome próprio. (...)"

E Sara menciona vários autores cujas obras se podem encontrar especialmente em feiras de edição independente, galerias e na internet, designadamente André Lemos, Bruno Borges, Miguel Carneiro, Susa Monteiro, Pepedelrey, Joana Figueiredo, Carlos Pinheiro, Teresa Câmara Pestana ou Marcos Farrajota. 
Embora a um ritmo mais lento - regista Sara - algumas editoras mantiveram-se a lançar nas livrarias autores já com maior relevo no mercado, caso da Polvo, sob cuja chancela voltou a aparecer Miguel Rocha, mas que também deu oportunidade à estreia de Paulo Monteiro. Nesta análise à área editorial, cita igualmente a Kingpin Books, "que tem conseguido chegar às livrarias com títulos que não destoariam em catálogos de editoras americanas, espanholas ou francesas". 

São seguidamente citados os nomes dos autores publicados por esta editora/livraria: David Soares, Osvaldo Medina, Pedro Serpa, Mário Freitas (editor e livreiro, proprietário da Kingpin, também argumentista e arte-finalista) ou Filipe Teixeira. 

Numa área idêntica, mas com a diferença de a editora ser estrangeira, e ter a ver com a, digamos, internacionalização de vários autores portugueses, eis o tal assunto que cada vez mais está a dominar as atenções. E Sara desenvolve-o pormenorizadamente: 

"A chegada de portugueses ao espaço dos comics norte-americanos em meados da primeira década do século XXI provou que a chamada era global podia ser aproveitada para concretizar sonhos nunca antes imaginados. Desenhar e escrever para a Marvel, um dos gigantes da indústria de comics, ou para qualquer outra das grandes editoras americanas, seria um sonho impossível para gerações que cresceram com os super-heróis, mas tornou-se uma realidade com o triunfo de vários autores, como Eliseu Gouveia (n.1971), Miguel Montenegro (n.1977), Ana Freitas (n. 1971), Ricardo Tércio (n.1976), Filipe Andrade (n. 1986), Nuno Plati (n.1975 ou João Lemos (n. 1977). Alguns deles persistiram no envio de portefólios via internet, pagaram viagens do seu bolso para chegarem à fala com editores em convenções de banda desenhada nos Estados Unidos ou na Europa e perseguiram todas as oportunidades que lhes surgiram quando as editoras americanas anunciaram alguma abertura. E não é só nas mais mainstream como a Marvel que há portugueses, basta lembrar que Filipe Melo (n.1977), co-autor, com Juan Cavia, dos dois volumes de As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, publicados pela Tinta-da-china, já chegou às páginas da Dark Horse com um capítulo destas histórias de aventuras e tudo indica que não ficará por aí. (...)".

Dão bem a noção da abrangência dos temas tratados por Sara Figueiredo Costa os seguintes títulos de capítulos: 

"Falamos de livrarias especializadas e distribuição dispersa";
"Falamos de festivais e exposições, de Beja ao Porto";
"Falamos de um «objeto (*) cultural não identificado»

(*) A revista Ler já adoptou o novo acordo ortográfico, vê-se no desaparecimento das consoantes mudas...

A terminar tão exaustivo panorama, o ensaio termina com o capítulo " A Prova
    



dos Cinco", em que faz a apresentação de cinco autores da nova geração, que seleccionou para terminar o artigo. Claro que a tarefa não é pacífica, a articulista admite-o, quando diz:

"Escolher cinco autores num panorama tão heterogéneo e com tamanha riqueza de registos não é tarefa fácil. O risco de deixar de fora nomes reconhecidos, jovens promessas ou valores seguríssimos da banda desenhada portuguesa que publicam à margem do mercado tradicional é enorme, mas há poucas formas de evitá-lo. Fiquemos, portanto, com Susa Monteiro, João Lemos, Filipe Abranches, Osvaldo Medina e David Soares - de certo modo, o portefólio desta escolha representa diferentes modos de editar, de abordagens à narrativa e ao desenho, com raízes em influências díspares e vários processos de reconhecimento do público e dos seus pares. (...)" 

É com as biobibliografias desses autores, sendo algumas partes escritas pelos próprios, com direito a uma página de texto e imagens de bedês de cada um deles, mais as respectivas fotografias, que termina o excepcional trabalho de Sara Figueiredo Costa. 
De referenciar algumas novidades que ela nos dá ao correr da pena, como seja a notícia de que está para breve a edição de uma história de grande fôlego de Filipe Abranches, sob chancela da Abysmo, a editora de João Paulo Cotrim.
Desnecessário será dizer que este número da revista Ler é uma aquisição obrigatória para todos os que se interessam pela BD portuguesa actual.    
   

(*) Beco das Imagens http://becodasimagens.wordpress.com
        Cadeirão Voltaire http://cadeiraovoltaire.wordpress.com
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Os interessados em ver as 23 anteriores postagens (com início em 15 de Julho de 2005) do presente tema, poderão fazê-lo, bastando para isso clicar no item Imprensa: Críticas e notícias sobre BD, visível aqui por baixo no rodapé

12 comentários:

  1. Já li os artigos da revista e gostei bastante. Falam do recente avanço da BD em Portugal e não se ficando por aí ainda entrevistam alguns autores. É pena não aparecerem mais artigos destes na nossa imprensa.

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  2. Caro desconhecido Luís Sanches
    Julgo que seja atento seguidor da blogosfera, porque eu ainda estou a menos de metade do "post" e já cá está o seu comentário.
    De qualquer forma, agradeço-lhe a atenção.
    Quanto à sua frase "é pena não aparecerem mais artigos destes na nossa imprensa", chamo-lhe a atenção para o facto de termos uma publicação especializada em banda desenhada, o BDJornal (e é tanto Imprensa como a revista Ler), onde se encontram extensos e profundos artigos de estudo e divulgação.

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  3. Para quem não sabe, a Sara Figueiredo Costa também é colaboradora do BDjornal desde 2006.

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  4. Caro Geraldo Lines,

    Muito prazer! (espero assim já não ser um desconhecido :)

    Agora mais a sério, sigo este blog pois (e alguns outros) porque estive ausente de Portugal alguns anos e estou a tentar retomar o meu conhecimento em tudo o que toca a Bd Portuguesa. Nunca conheci muito do que se faz por cá (era criança quando se compravam as Bds do Patinhas e do Cebolinha). Também cresci com Astérix e Lucky Luke e posteriormente super herois.
    Devo dizer que o mercado europeu sempre foi o meu favorito mas a unica altura em que me lembrei de procurar Bd Portuguesa, tinha acabado de sair O Corvo do Luis Louro e não me recordo de mais. Provavelmente existiam outros trabalhos de qualidade mas eu não os conheci. Essa também é a razão pela qual não conhecia o BDJornal.
    Estou por isso a tentar colmatar essa minha falha. Vi os trabalhos do Victor Mesquita e adorei a arte. Gostava de conhecer mais autores portugueses com essa qualidade artistica. E como tal vou seguir a sua sugestão e começar a estar atento ao BDJornal.
    Bem, espero não me ter alongado em demasia com esta resposta.

    Cumprimentos.

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  5. Caro Luís Sanches
    Não percebi a piada do "Geraldo Lines", nem em que é que isso contribui para você deixar de ser um desconhecido para mim. Mas tudo bem.
    Gostei da sinceridade com que descreveu as suas memórias de leitor de BD. E não, não se alongou em demasia.
    Quanto ao BDjornal, o respectivo editor/director também apareceu por cá, e deu uma informação que, se calhar, até foi útil para muita gente da BD.
    Um abraço para si, caro (ainda desconhecido) Luís Sanches

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  6. Caro Geraldo Lino,

    Não foi piada. Escrevi "Lines" apenas por engano. A minha intenção de qualquer forma não foi ofender e tenho a certeza que o não sentiu como ofensa.
    De qualquer forma peço desculpa se de alguma forma fui indelicado, um abraço, e até uma próxima troca de comentários.

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  7. Caro Luís Sanches
    Claro que não me ofendeu, apenas não estava a perceber a piada de me tratar por Geraldo Lines.
    Como diz que foi por engano, fica tudo esclarecido.
    Tenho muito gosto em o contar como frequente visitante deste meu blogue.
    Abraço.
    Geraldes Lino

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  8. Foi uma pena os autores Filipe Andrade e Nuno Plati não terem aparecido nesta peça. Lá apareceu o João Lemos, mas é claramente o menos produtivo e o que menos visibilidade trouxe aos autores nacionais no mercado norte-americano (uma página de bd no mouse guard e um short script no wolverine nao faz a primavera).

    Filipe Andrade merecia ter maior destaque uma vez que em dois anos produziu mais do que qualquer autor Português, sem contar com o José Carlos Fernandes.

    Infelizmente no mundo da BD também há elitismos, os verdadeiros artistas 'operários' como o Miguel Montenegro, o Eliseu Gouveia, o Filipe Andrade, o Nuno Plati, o Lacas e o Daniel Henriques (arte-finalista) são considerados artistas menores porque trabalham no mainstream, enquanto que os 'artristes'(expressão criada pelo saudoso Ricardo J. Cardoso da Nono Império para definir os desenhadores de BD que pouco ou nada fazem) que fazem um albumzito de cinco em cinco anos são o supra-sumo da arte.

    Enfim...

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  9. Joaquim Serôdio14:55

    Stuntman concordo a 100% contigo, este artigo falha porque não entrevista o maior autor português vivo. Quem é o Filipe Andrade, o Plati ou o João Lemos ao lado de um Luis Afonso? O Barba e cabelo d´A Bola é das melhores coisas que tenho visto feitas por cá.

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  10. Mário Luis15:04

    Luis Afonso? Por amor de Deus! O homem põe comida na mesa com o mesmo desenho há uns 20 anos! Vcs são loucos!

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  11. Joaquim Serôdio15:07

    Mário Luis, o quê? Não aceito estes desaforos de um tipo cujas bases de banda desenhada são o Chico Bento e o Maurício!

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  12. Mário Luis15:09

    Caros Joaquim Serôdio e Stuntman: Um pouco de respeito, ainda vocês andavam de cueiros e já eu lia o Mandrake!

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