quinta-feira, novembro 08, 2012
Artigos Sobre BD - Os meus (II) - Fanzines, Focos de Resistência
No anteriormente citado meu artigo, publicado no fanzine Banda datado de Setembro de 1993 - que dividi em duas partes, estando a primeira na postagem anterior -, tratei da tradicional vida breve das revistas de BD.
Que fique claro: entram nessa categoria de revista de banda desenhada apenas as publicações comerciais/profissionais, lançadas por editoras legalizadas, que as editam com a finalidade de obterem lucro, a fim de cobrirem as despesas de edição - onde se inclui o pagamento aos autores colaboradores, um ponto fundamental para a classificação de revista.
As publicações editadas por editores não profissionais - ou seja, amadores, a nível individual, ou em grupo, ou mesmo em associações culturais sem fins lucrativos, que não pagam aos autores colaboradores, trabalhando estes pro bono -, eis os fanzines.
Reproduzo em seguida esse meu texto, escrito há quase vinte anos, mas que se mantém com suficiente actualidade.
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FANZINES, FOCO DE RESISTÊNCIA
Para análise do artigo anterior [dedicado à vida mais ou menos efémera das revistas de BD comerciais], conclui-se que seria natural o aparecimento de uma solução alternativa.
Assim se chega a esse fenómeno editorial amador, humilde mas activo componente da imprensa paralela que são os fanzines.
Editados em curtas tiragens, por apaixonados apreciadores de vários temas com aceitação relativamente restrita, fazem parte do fandom, abreviatura de origem americana pela qual passou a ser conhecido o domínio dos comic books e dos zines, onde se incluem os newzines, graphzines, slimzines e prozines.
Verifica-se, através deles, que a maioria dos bedéfilos mantém as suas justas exigências artísticas - quer como apreciadores, quer como autores - e também as suas necessidades de acesso à informação actualizada, permitindo que os fanzines se mantenham imprescindíveis, (1) enquanto activos e constantemente renovados suportes de BD.
Uma das suas facetas mais evidentes e positivas, é a de neles participarem vários estratos de bedéfilos: os que têm tendências artísticas, mas que não vêem quaisquer hipóteses de serem publicados de outra forma; os que gostam de escrever, quer se trate de argumentos, estudos ou críticas; por último, os que preferem ser editores, seja para divulgarem as suas próprias produções, seja para terem o prazer de publicar autores que conhecem e apreciam.
Em qualquer dos casos, vários nomes actualmente bem conhecidos no meio tiveram a sua estreia em fanzines.
Entre nós, as várias dezenas de fanzinistas que colaboram em qualquer das vertentes, são de escalões etários diversos. No que concerne aos numerosos desenhadores - e também aos argumentistas, estes bem mais raros -, eles são bastante jovens, quase sem excepção.
Algo diferente é o panorama que abrange editores, críticos e estudiosos, onde é habitual encontrar considerável número de adultos.
Sabem todos os apreciadores de BD mais informados - em especial os fanzinéfilos e fanzinólogos - que os fanzines se dividem em três géneros: os que se dedicam em exclusivo à publicação de bandas desenhadas; os que são totalmente preenchidos por textos (estudos, críticas, biografias e noticiário); e os mistos, que englobam estas duas facetas.
O primeiro fanzine de que há memória foi o Giff-Wiff, (2) editado em França em 1962. Era de boa qualidade, e dedicava-se em especial à exegese da BD, mas também à informação.
Quer isso dizer, portanto, que a primeira necessidade sentida pelos faneditores pioneiros foi a de poderem publicar textos sobre a matéria.
É natural que assim tenha acontecido: estava-se num período de prosperidade editorial, havia suficientes revistas para publicar banda desenhada propriamente dita e, consequentemente, apenas se fazia sentir a falta de uma publicação que se dedicasse em exclusivo àquela nova tarefa.
Quanto ao que aconteceu por cá, dez anos mais tarde - o fandom português iniciou-se com o Argon, editado em Janeiro de 1972 - foi, nos seus começos, exactamente o oposto. Além de aspecto bastante artesanal, este iniciador do movimento fanzinístico em Portugal - há um anterior, o Melro, curioso caso de pioneirismo avant la lettre, embora mera iniciativa isolada e inconsequente - ocupava todas as suas páginas com bandas desenhadas de autores principiantes, sinal de que era aí que doía. Ou seja:os jovens sentiram a necessidade de um espaço permissivo onde pudessem publicar as primeiras tentativas. Todavia, no seu quarto e último número, o Argon passava também a incluir notícias e artigos, diversificando o seu conteúdo.
Daí por diante, o panorama fanzinístico nacional continuou por trilhos semelhantes, apenas sendo de realçar o nível gráfico alcançado por alguns dos títulos publicados, ou a sua longevidade.
Mas, com maior ou menor qualidade, mais ou menos longa duração, todos os fanzine têm tido uma luta comum: a de constituirem campos de ensaio abertos a vários tipos de experiências gráficas, a novos ensaísta, críticos e estudiosos, e até - embora esporadicamente, já aconteceu - a provocarem o surgimento de editores amadores.
Numa época eminentemente recessiva, no que à BD se refere, é indubitável que os fanzines dão azo a que se mantenha em actividade grande número de quadradinhófilos - termo aplicável a quem prefere a tradicional denominação de histórias aos quadradinhos - que facilitam a divulgação de novos valoresnas diversas áreas, e permitem o aperfeiçoamento das já existentes.
Em última análise, é graças aos fanzines que o meio bedéfilo permanece vivo, e se vai alargando de Norte a Sul do país.
Pode acontecer que, chegados a certo ponto, se depare aos fanzinistas a impossibilidade de atingir a meta ambicionada: a publicação das suas bandas desenhadas, estudos, ensaios ou críticas em revistas profissionais, pelo simples facto da sua inexistência.
Mas enquanto existirem fanzines, haverá onde coninuar a albergar as produções artísticas e literárias de todos os bedéfilos, jovens ou menos jovens.
Com a sua vitalidade e, algumas vezes, irreverência, os fanzines significam, no mínimo, um permanente ponto de encontro e conhecimento mútuo dos bedéfilos.
E é possível que possam vir a constituir, em desespero de causa, um último e constantemente renovado foco de resistência e sobrevivência da banda desenhada.(3)
Notas
(1) Esta afirmação, que era pertinente em 1993, deixou de o ser nesta última década. Já não há publicações em papel, amadoras ou profissionais, imprescindíveis. Mesmo as francesas e as espanholas vão desaparecendo umas após outras, tal como também acontece com os jornais. Para o bem e para o mal, existe a Internet.
(2) Posteriormente obtive informação acerca do fanzinato nos Estados Unidos da América, e concluí que, afinal, tinham sido faneditores americanos a editarem os primeiros fanzines, tendo sido também lá que se criou esse neologismo em 1940, por um tal Louis Russel Chauvenet.
Por conseguinte, aproveito para corrigir e actualizar aquela informação:
O primeiro de todos os fanzines foi dedicado à Ficção Científica e teve por título Cosmic Stories, editado em 1929 por um jovem chamado Jerome (Jerry) Siegel, que, como é sabido por todos os que lerem estas notas, haveria de ser um famoso argumentista, tanto quanto o herói Super-Homem para o qual iria escrever múltiplos argumentos para o seu amigo Joe Shuster desenhar.
Quanto ao primeiro fanzine dedicado à BD foi o Fantasy World (mais tarde com o título mudado para Phantasy World) começado a editar por David A. Kyle, em Fevereiro de 1936.
(3) Quando escrevi isto devia estar muito optimista.
Este comentário foi removido pelo autor.
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