domingo, julho 21, 2013

Coleccionadores e Colecções de BD (X) - Bana e Costa









Nos meados da década de oitenta do século passado, entre os muitos coleccionadores de banda desenhada destacava-se Rui Bana e Costa, devido à sua enorme colecção de publicações de BD, incluindo revistas portuguesas e estrangeiras, álbuns de BD portuguesa e de álbuns com BD europeia editados em Portugal, neste último caso entre 500 a 600 unidades! 

Daí eu tê-lo entrevistado para a revista Coleccionando (nº 2 - 2ª Série - Novembro 86), entrevista essa que reproduzo hoje. Para muitos dos visitantes deste blogue, veteranos coleccionadores, os valores em escudos mencionados por Bana e Costa, são compreensíveis. Aos bedéfilos mais jovens apenas poderei ajudar, lembrando-lhes que 1€ é equivalente aos antigos 200$00 (duzentos escudos), e que o Jornal da BD, revista publicada nessa década, custava 70$00 (setenta escudos), e era considerado cara...

O meu amigo coleccionador nunca deixou de comprar BD, tendo até conseguido, em datas relativamente recentes, adquirir peças de grande raridade, designadamente os nºs 73 e 74 da revista  


Gafanhoto, e o nº 391 da revista Fagulha (datada de 15 de Abril de 1974), que já não chegou a ser posto à venda por causa do 25 de Abril desse ano, visto que era editada pela Organização Nacional Mocidade Portuguesa... 

Actualmente, este meu amigo coleccionador decidiu desfazer-se das revistas estrangeiras - Charlie, Tintin, Spirou, Metal Hurlant, e uns milhares de "comic-books". Para tal, criou uma loja na E-Bay (*)

  A fim de facilitar a leitura, passo em seguida a reescrever a entrevista.

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COLECCIONO TODAS AS REVISTAS PORTUGUESAS DE B.D.
AS QUE SAEM, AS QUE SAÍRAM... E AS QUE SAIRÃO!

- diz, muito a sério, Bana e Costa

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Bana e Costa é um "furioso" coleccionador e tem consciência disso, mas não tenciona abrandar. O seu único "receio" é que,perante estas suas confidências, lhe passem uma "guia de marcha" para o manicómio.
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Aquele homenzarrão volumoso, bem disposto e com ar pachola, quando entra no Clube [Português de Banda Desenhada], é apenas mais um apaixonado da Banda Desenhada que ali está ao nosso lado. Quer mostrando a raridade mais recente que conseguiu, quer trocando impressões sobre as novidades surgidas em França ou onde quer que seja, é com entusiasmo que o faz.
É curioso saber-se que a actividade do nosso amigo coleccionador é bastante complexa, e sem dúvida, bastante desumanizada. Será talvez por isso que Rui António Bana e Costa, profissional de absorvente especialidade tecnológica (ele é Director da Organização e informática da União de Bancos Portugueses), ocupa os seus tempos livres numa forma de escape que lhe dá grande prazer: o coleccionismo de banda desenhada.
Nesta actividade lúdica, ele é bem conhecido no meio: poucos serão os alfarrabistas de Lisboa e Porto onde não tenha feito valiosas aquisições; também os numerosos coleccionadores da especialidade temem o seu poder aquisitivo e referem, com admiração, a importância e volume das suas colecções, quer portuguesas, quer estrangeiras. Neste aspecto, refira-se o facto de que há livrarias /alfarrabistas em Paris, que guardam, propositadamente para ele, os exemplares mais raros que lá aparecem.
E, como é do conhecimento de quem o visita - caso do autor destas linhas - ele já não tem espaço em casa para guardar todas as suas colecções. Mas como possui um apartamento não habitado, utiliza-o, quase em exclusivo, com essa finalidade!
Aos quarenta anos (nasceu em 18/10/1945, em Alenquer), Bana e Costa é ainda suficientemente novo para, com a embalagem já adquirida, poder vir a ser - se não o é já - o português possuidor do maior número de colecções de BD. Claro que nestes últimos anos, o seu elevado poder económico tem-lhe permitido adquirir as colecções mais difíceis. Mas o seu entusiasmo pela Banda Desenhada não é recente. Daí a minha primeira pergunta:

- Que idade tinhas quando começaste a comprar revistas de BD?

- Olha: conscientemente houve duas fases, e em ambas encontrava-me fora de casa. A primeira - tinha os meus seis, sete anos, e estava nos Açores, onde passei três anos - foi a fase do "Cavaleiro Andante". A segunda - tinha então vinte e três ou vinte e quatro anos, e estava a cumprir o serviço militar em Angola - foi a fase do "Tintin".

- Quais as colecções portuguesas que tens completas ou, pelo menos, com significativo número de exemplares?

- Tenho aqui umas listas que fiz para responder às tuas perguntas. Toma nota: Valente, Pluto, Álbuns Flecha, Titã, Trovão, Leão, Jacaré, Tintin, Spirou, Foguetão, Mickey, Falcão (1ª Série e quase toda a seguinte), Cavaleiro Andante - seus suplementos (Pajem, Desportos) e também os Álbuns -, Mundo de Aventuras, Gafanhoto (1ª Série de 1903, e 2ª Série de 1910), o outro Gafanhoto (que, iniciado em 1948, nada tinha a ver com o anterior), Notícias Miudinho, Mosquito (e suplemento Formiga), Flecha, Pisca-Pisca.
Ainda não completas: Senhor Doutor (falta-me o nº 418), ABCzinho (faltam-me os nºs 78, 133 e 258 da 2ªSérie), Tic-Tac (faltam-me nove números), Papagaio (algumas falhas), Águia (faltam 22 números), Audácia (faltam alguns números do 5º volume), Trovão (faltam 4 números), Carlitos (faltam 12 números), Diabrete (faltam as páginas do romance referente a cinco números) e Faísca (faltam os nºs 1 e 54).

- E estrangeiras?

- Pilote, Charlie, L'Echo des Savanes, Metal Hurlant, Mormoil e Phenix são colecções que tenho desde o início. Também tenho Journal do Lucky Luke, o Journal de Achille Talon, Spirou (mais de 1800 números), Tintin belga (mais de 1100 números), Mickey (mais de 600 números).

- Entre as colecções portuguesas que possuis, quais as que consideras mais valiosas quanto à raridade?

- Das portuguesas, além do "Mosquito", penso que será o "Carlitos", pois julgo ser o único coleccionador a possuir a colecção completa. Nem mesmo a Biblioteca Nacional a possui!

- E entre as estrangeiras?

- Além do "Pilote" (completo, mais de 100 recolhas), possuo recolhas valiosas e raras do períodoem que a França foi ocupada, mormente "Coeurs Vaillants" e "Âmes Vaillantes".

- Qual é a revista mais antiga que possuis?

- O "Jornal da Infância", que é a 1ª revista infantil em que aparece banda desenhada (portuguesa e estrangeira), datando o 1º número de 1883, portanto com mais de 100 anos!
Quanto às estrangeiras, menciono o nº 1 de "O Gury" (brasileira) datada de 12 de Abril de 1910.

- E qual a colecção de BD que tens tido mais dificuldade em completar?

- O "Senhor Doutor", de que me falta o nº 418.

- Sei que coleccionas muitas revistas de BD. Podes dizer-me quais?

- Espero que a minha resposta a esta pergunta não me valha uma "guia de marcha" para um manicómio, mas lá vai: em relação às portuguesas colecciono todas as antigas, todas as que saem actualmente, mais as que sairão!
Em relação às estrangeiras, vou dividi-las por nacionalidades e por escolas:
Entre americanas e inglesas, colecciono mais de 100 títulos; das revistas francesas e belgas, antigas e actuais, colecciono 32 títulos; espanholas, são 35 ao todo; italianas, são menos. 
Posso dizer alguns títulos.
Das italianas: If, Orient Express, Wow, Corto Maltese, Linus, Eternauta, Alter Linus; Séries de Clássicos: da Comic Art, é o Brick Bradford, Steve Canyon (já uns 150 álbuns); da Pacific Comics (americana): Flash Gordon, Buck Rogers, Príncipe Valente. Revistas: Epic, Famous Features, Golden Age Comics, Heavy Metal, Nemo, Spirit, 1st Folio, Savage, etc.; da B.O. (espanhola): Príncipe Valente, Flash Gordon (Alex Raymond e Mac Raboy), Fantasma, Rip Kirby, Rei da Polícia Montada; da Amary, (também espanhola): Buck Rogers, Brick Bradford, Tarzan e Mandrake. Ainda espanholas (revistas): Guerrero Antifaz, Firmado por..., Cairo, Cimoc, Creepy, Delta, Heróis de Papel, Zona 84, Comix Internacional, Metal Hurlant, Makoki, Madrix, Nostalgia, Papel Vivo, Rambla, Sunday, Trigan, Thriller, El Víbora, Victor Nerviu; da Glénat (francesa): Jeff Hawke, Modesty Blaise, Mandrake, Rip Kirby; da Deligne (belga): Eric Le Vicking, Warren Tufts; da Slatkine (suiça): todas, (cerca de 10 álbuns); da Futuropolis (francesa): todas (mais de 60 álbuns).
Entre as francesas, belgas e suíças poderei nomear mais alguns títulos: Air Comprimé, Age d'Or, A Suivre, Baron Noir, Barbarie, Bedeadult, Chic, Circus, Cri Que Tue, Charlie (2ª Série), L'Echo des Savanes (2ª Série), Fluide Glacial, 1994, Integrale Mickey, Ice Crims, Le Petit Psichopat, Metal Hurlant, Metal Hurlant Aventure, Microbe, Mickey, Pilote, Rigolo, Sex Bulles, Spacial, Viper, Zoulou... Chega?

- Uff! Vamos mudar rapidamente de assunto: tens alguma recordação ligada a qualquer das revistas que possuis, ou algum facto digno de registo que tenhas observado?

- Agradava-me extraordinariamente ver o elevado número de pessoas que devorava o meu "Tintin", quando ele chegava ao quartel onde estive, em Angola.

- Mas isso já foi numa fase adulta. E de quando eras criança, tens alguma recordação agradável?

- Quando fui para os Açores - aos meus seis, sete anos, como já te disse - tinha acabado de sair o "Cavaleiro Andante". O meu avô passou a enviá-lo para S. Miguel, e os meus pais eram obrigados a ler as histórias enquanto eu acompanhava as imagens. Um dia - segundo conta a minha mãe - quando eles se preparavam para ler os balões/textos, comecei eu a ler, parece que o "Neco e o Patareco", no "Pajem".

- Qual o preço mais elevado que pagaste por uma peça de qualquer das tuas colecções?

- Penso que paguei 3.000$00 pelos dois últimos números que me faltavam do "Mosquito" (embora esteja já a caminho duma segunda colecção completa). Hoje, os preços mais elevados que estou a pagar são pelas recolhas do "Spirou" (belga): à medida que me aproximo das primeiras (colecciono dos números mais recentes, de 1952 para trás, até 1948), os preços atingem valores impossíveis. A "recueil" nº 1 custa 6000 FF, ou seja, cento e vinte e tal contos!

- E álbuns de BD, também coleccionas?

- Além dos que incluem autores clássicos (de que já mencionei os títulos anteriormente, misturando álbuns e revistas), acrescento ainda álbus com obras de Hugo Pratt, de Corben, Moebius/Gir, Franquin, Bilal, Morris, Uderzo, etc. 

- Depois da avalanche de álbus e revistas que mencionaste, no conjunto das respostas, será que ainda consegues coleccionar mais alguma coisa?

- Já coleccionei selos; agora só colecciono envelopes do 1º dia com a respectiva medalha.

- Só? Olha, lembras-te de algum episódio pitoresco, ligado à tua actividade de coleccionador de Banda Desenhada?

- Durante vários anos comprei material ao Daniel. A dada altura ele começou a insistir comigo para eu levar umas recolhas francesas. Um dia, para não o ouvir mais, comprei-as por 500$00; mais tarde, ao folhear a "Bíblia das cotações", descobri que valiam uns 8000 FF, ou seja, uns 170 contos!
Lembro-me ainda (embora me falhem os nomes dos intervenientes) de outro episódio curioso. Um dia, eu e mais dois ou três coleccionadores, encontrámo-nos perante um monte de "Titãs", que estava à venda. A cada um de nós faltavam uns tantos números. Fizemos a divisão do lote e, quando chegámos ao último exemplar - imagina a nossa satisfação... - tínhamos todos completado as nossas colecções!

- E recordações tristes? Tens alguma relacionada com as tuas colecções?

- A perda das minhas colecções originais, principalmente o "Cavaleiro Andante", o "Zorro" e o "Alvo", que comprava com as mesadas que me davam os meus pais, quando eu era miúdo.

- Mas como é que as perdeste?

- Bem, foram várias as causas: a mudança da casa dos meus avós para a dos meus pais, a ida à tropa, e até um certo desinteresse numa dada altura da minha vida. Já agora acrescento que o aparecimento do Clube Português de Banda Desenhada teve grande influência no reavivar do meu interesse pela BD; e foi o contacto com a malta do clube que me levou a tentar recuperar essas colecções perdidas.

- Na tua opinião, qual a influência para a BD, resultante da actividade dos coleccionadores?

- Divido a minha resposta em três partes.
1ª - A contribuição para o não desaparecimento de colecções que, se não fosse a sua "mania", há muito teriam sido esquecidas;
2ª - Os notáveis estudos sociológicos e/ou semânticos e de pesquisa de homens como o Dr. Dias de Deus e A.J.Ferreira, no presente, e de Vasco Granja, no passado:
3ª - O trabalho árduo de divulgação, por "carolas" como o Gonçalves e o Geraldes Lino.

- Pela parte que me toca, agradeço-te a referência. 

(*) - E-Bay 
Endereço do Bana e Costa, onde ele tem à venda entre 500 a 600 álbus, e 50.000 (!) "comic books": 
http://stores.ebay.fr/BDCOMICSPORTUGALRUIBANA

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Imagens que ilustram o presente "post"

1 - Pilote Le Magazine des Jeunes de L'An 2000 - Nº 176, 7 Mars 1963
2 - O Papagaio - Nº 277, 1 de Agosto de 1970
3 - Spirou - Nº1 - 1º Ano - 31-10-1971 (Edição portuguesa)  
4 - ABCzinho - Nº 329 - 3ª Série - 25 Abril 1932
5 - Faísca - Nº 1 - Ano 1 - 6 de Março de 1943
6 - Cavaleiro Andante - Nº 19 - 10 de Maio de 1952
7 - Foguetão - Nº 2 - 11 de Maio de 1961

8 - Texto (parcial) da entrevista na revista "Coleccionando"
9 - Foto de Bana e Costa
10 - Capa da revista [mensal] "Coleccionando" - Nº 2 - 2ª Série - Novembro/86
11 - Fagulha - Nº 391 de 15 de Abril de 1974


Nota do blóguer: As revistas de BD que usei para ilustração da postagem são exemplares soltos do meu acervo, excepto a da alínea 11, "Fagulha" (uma raridade que não tenho), cuja imagem da capa me foi enviada hoje por e-mail pelo Bana e Costa         

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