segunda-feira, janeiro 27, 2014

Coleccionadores e Colecções de BD (XII) - Fernando Burguete


Capa do livro Archives Hergé, editado em 1973, de grande interesse para coleccionadores, onde é reproduzida a banda desenhada "Tintin Au Pays des Soviets", a primeira protagonizada por aquele herói de papel criado por Hergé em 1929.


"Dê-me aí dez tostões para eu comprar o 'Tic-Tac' ", uma frase do entrevistado Fernando Burguete.



Título da entrevista que é reproduzida neste "post". 
Foi publicada originalmente na revista mensal "Coleccionando", em Setembro de 1987. 

 Ver abaixo imagens de capas de algumas das revistas mencionadas pelo coleccionador (várias outras que ele menciona já foram reproduzidas em entrevistas anteriores), e que escolhi ao acaso nas minhas próprias colecções:


1) Tic-Tac (Ano I, nº 3 - 12 de Março de 1931) - Capa de Tiotónio. Sob a capa, uma página de BD de Walter Booth

 Neste número, o preço ainda era de 5 "tostões", ou seja, 50 centavos

"Pelo Mundo Fora", obra de BD do autor inglês Walter Booth (página publicada no exemplar da revista Tic-Tac cuja capa se vê por cima), era a bd preferida pelo entrevistado (falecido em 2003), a primeira que leu e que o entusiasmou pelas "histórias aos quadradinhos".


2) O Mosquito (Nº 688 - 28 de Janeiro de 1946) - Capa de Eduardo Teixeira Coelho
  

3) O Gafanhoto (Nº 10 - 12 de Fevereiro de 1949) - Capa de Jesús Blasco


4) Colecção Modernos da Banda Desenhada (Nº 7 - Março 1974)


5) O Grilo (Ano I - Nº 1 - 25 Nov. 75) - Capa de Burne Hogarth



6) Jornal do Cuto (Nº 147 - 15 Agosto 1976) - Capa de Carlos Alberto (?)


7) Zakarella - Revista [mensal] de Mistério, Terror, Fantasia e Crime (Nº 27 - Dez. 1977) - Capa de Carlos Alberto



8) Colecção Galo (Nº 3 -1977)- Capa de Carlos Alberto (?)


9) Spirou (2ª série - Nº 1 - 10 Abril 1979) - Capa de André


10) Tintin (14º Ano - Nº 43 - 6 Março 1982) - Capa de Augusto Trigo


11) Selecções Tintin (Nº 2 - Trimestral - Março 1984) - Capa baseada em Hergé




12) Jornal da B.D. (Nº  165 - 21º Volume, 5º fascículo - 1 Out. 1985)- Capa de José Ruy


Entrevista feita em 1987


Fernando Mário Teixeira de Burguete nasceu em Coimbra (freguesia da Sé Nova), a trinta de Outubro de 1922. 
Mas logo aos dois meses já respirava os ares tropicais do Rio de Janeiro, para onde o pai o levara; aos sete anos voltaria a Portugal, agora com rumo a Lisboa. 
Tais andanças deveram-se ao facto de o pai, médico, se ter formado em Coimbra, de a mãe ser brasileira e, naturalmente, por interesses profissionais, o pai ter decidido regressar ao seu país, agora com destino à capital, para aqui exercer clínica.
Fernando Burguete não mais deixaria Lisboa. Aqui fez o Curso Geral dos Liceus, aqui viria a ser funcionário da Mabor, durante trinta e seis anos, exercendo vários cargos.
A sua carreira profissional, terminada no princípio deste ano de 1987, culminaria no cargo de administrador - durante dez anos - de uma empresa onde a Mabor tinha capital maioritário.
Apresentado que está o coleccionador nosso entrevistado, façamos-lhe a primeira pergunta:

- Quando começou a coleccionar revistas de Banda Desenhada?

- A primeira revista que comecei a coleccionar em Lisboa foi o "Tic-Tac", mas já tinha tido contacto com a revista "Tico-Tico".

- Das revistas que coleccionava nessa fase, qual a que tem maior significado sentimental para si?

- O "Tic-Tac", por ser a primeira, talvez. A seguir, "O Mosquito". É a tal coisa: o factor sentimental é muito importante. Pode até acontecer que a revista de que gostamos mais não seja a melhor, mas é por ter sido a primeira... Uma das coisas que mais me prendia no "Tic-Tac" eram as aventuras de Rob e Dan.

- Mas não era esse o título da série...

- O título era "Pelo Mundo Fora".

- E bem popular na época. Como posteriormente "O Mosquito" também viria a publicar essa série, suponho que o começou a coleccionar por tal motivo.

- Bem, com o "Tic-Tac" eu passei a gostar muito de banda desenhada. É natural, portanto, que, devagarinho, eu tenha começado a coleccionar outras revistas: "O Mosquito", a "Colecção Aventuras" (que também era de "O Mosquito"), e o "Diabrete". 

- Quais as colecções portuguesas que tem completas?

- Tintin, Spirou (1ª e 2ª séries), Jacaré, Jornal do Cuto, Herói (1ª e 2ª séries), Grilo, Super-Grilo, Êxitos da TV, Mundo de Aventuras Especial, (a do "Mundo de Aventuras" normal está incompleta), Mosquito (5ª série), Almanaque Mosquito, Dick Tracy, Visão, Colecção Lince, Modernos da Banda Desenhada, Desporto e Aventura, Colecção Jaguar, Gafanhoto (o do Roussado Pinto, dos anos setenta), Enciclopédia Mosquito, Zakarela, Vampirela, Pantera Negra, Selecções, Jornal do Cuto, Spirit, Videorama, Colecção Galo, Comix, Flecha 2000 (1ª série), Grandes Aventuras de Flash Gordon, Riquiqui, Titã, Jesus, Selecções Tintin, Jornal da BD, etc.
Também colecciono suplementos de jornais: além do "Quadradinhos" (destacável do jornal "A Capital", 1ª e 2ª séries),  que era praticamente uma revista, costumo recortar e encadernar as páginas já publicadas (ou ainda a publicar) em diversos jornais: "Correio da Manhã", "O País", "O Dia", "A Capital" eo "Diário Popular".

- E estrangeiras?

- Brasileiras: "Historieta" (8 volumes), "Tim e Tok" (3 vols.), "Os Biónios" (6 vols.); Espanholas: "Camello", "Chito" e "Chito Extraordinário".

- Entre as colecções e peças isoladas que possui, o que é que considera mais valioso?

- Das colecções, é a dos álbuns do Tintin, edição em francês. 
Isto é uma opinião pessoal, mas acho que esses álbuns a cores, já antigos, são muito valiosos.
Eu comprava-os à medida que iam saindo na Bertrand do Chiado (que era a única que havia). Lá guardavam-mos sempre.
Também dou muito valor a um pequeno álbum publicitário francês, editado em 1964, "Mission BX 415", e a alguns dos muitos fanzines que possuo.

- O Burguete seria, na altura, um dos raros portugueses a acompanhar a tal colecção dos álbuns do Tintin...

- Sim, naquela altura vinham poucos exemplares. Mais tarde é que a coisa começou a aquecer.

- Qual é a revista mais antiga que possui?

- Actualmente é o nº1 do Tintin, que começou em 1968.

- Diz actualmente porquê?

- Porque eu tinha outras colecções mais antigas, que me desapareceram.

- Está neste momento a coleccionar alguma revista portuguesa de BD?

- O "Jornal da BD". Neste momento não há mais nada. Ou pelo menos, que eu considere revista a sério.

- O "Mundo de Aventuras" acabou a 15 de Janeiro deste ano...

- Estava a comprá-lo também. Por acaso é a minha única colecção incompleta.

- Tem recordações agradáveis ligadas a qualquer das revistas que possui?

- Lembro-me perfeitamente do entusiasmo com que ia procurar o "Tic-Tac" à tabacaria próxima da casa onde morava. Isso era devido, principalmente, ao meu profundo interesse em acompanhar as peripécias da série "Pelo Mundo Fora".

- Nessa altura só conhecia o "Tic-Tac"?

- Na realidade só comprava essa revista. Mas lia "O Senhor Doutor", em casa de uns primos, e "O Papagaio" em casa de uns amigos de infância. Esses primos e esses amigos liam o "Tic-Tac" - e mais tarde "O Mosquito" - em minha casa.
Coisas de miúdos.

- Miúdos bastante entusiastas por aquilo que na época tinha o singelo nome de histórias aos quadradinhos, e que ocupava, em certa medida, o lugar que hoje ocupa a televisão e os jogos de vídeo.
Os vossos familiares apoiavam esse entusiasmo?

- Pois apoiavam. Muitas vezes eu ia ter com a minha mãe e pedia-lhe: 
Dê-me aí dez tostões para eu comprar o "Tic-Tac". 
Era o preço dele, era um escudo. 
E isso porque eu tinha cinco paus de semanada. Ora o eléctrico dos Restauradores a minha casa era cinco tostões, um escudo ida-e-volta; mais vinte e cinco tostões para o cinema, mais qualquer outra despesa, e esgotava o resto.
Por isso lá tinha de ir pedir um reforço, de vez em quando, para comprar o "Tic-Tac".

- Qual o preço mais elevado que pagou por qualquer peça da sua colecção?

- Até hoje, o máximo que paguei foi pelos "Archives Hergé". 
São quatro volumes, a uma média de 2.500$00 cada. Isto entre 1976 e 1981.


  
- Colecciona álbuns?

- Colecciono.

- Qual o critério que segue?

- O da qualidade, sem preocupação de sequência, e colecções completas dos heróis que me agradam.

- Quais heróis?

- Tintin, Astérix, Lucky Luke, Natacha, Comanche, Valérian, Blueberry, Yoko Tsuno, Jonathan, Cavaleiro Ardent, Norbert e Kari, Jonathan Cartland, Buddy Longway, Alix, Luc Orient, Clifton, Inspector Dan, Rocco Vargas, Adèle Blanc-Sec, Corto Maltese e, recentemente, John Difool.
Isto no que se refere a séries com heróis. Mas há outras séries que também me interessam, especialmente "Os Náufragos do Tempo", "Os Passageiros do Vento", etc.

- Colecciona mais alguma coisa?

- Miniaturas automóveis à escala 1/43, onde procuro fazer a história do automóvel por marcas.

- Quantos automóveis é que tem?

- A última vez que os contei eram 2010, mas depois disso já arranjei mais alguns.
  
- Tem alguma lembrança especial relacionada com o seu interesse pela Banda Desenhada?

- O meu início como leitor de Banda Desenhada nasceu por intermédio de uma velha tia minha que um dia me ofereceu os dez primeiros números do "Tic-Tac". Como nos visitava semanalmente, continuou a levar-me a revista durante alguns meses. Mas por ter adoecido, deixou de nos visitar. Então passei eu a comprar a revista, pois queria continuar a seguir as aventuras do Rob e do Dan,  na série "Pelo Mundo Fora".
Numa altura em que os adultos tinham uma certa má vontade contra o hábito da leitura da Banda Desenhada pelas crianças, é curioso que essa minha tia já pensasse de forma mais evoluída, e os outros meus familiares também se não opusessem.

- E tem alguma recordação triste relacionada com as suas colecções?

- Tenho esta: eu vivia com os meus pais numa moradia na Avenida da República. Essa moradia tinha uma cave onde estavam guardadas as minhas revistas de banda desenhada, devidamente acondicionadas por anos e títulos, tudo num armário.
O chão dessa cave era em cimento - escreva, que é importante, já vai ver porquê.
Num Verão em que fomos passar um mês à Ericeira, verificámos que a casa tinha sido assaltada. E provou-se que o assaltante se manteve vários dias na cave da moradia, fazendo fogueiras com as revistas de banda desenhada, para confeccionar a sua alimentação.
Por causa disso parei de coleccionar banda desenhada, com o desgosto que tive. Só mais tarde recomecei a comprar os álbuns do Tintin, a revista Tintin, e as outras que já mencionei.
Ainda hoje recordo o choque que tive nessa altura.

- Imagino. Qual o destino (melhor!) que prevê para as suas novas colecções?

- Ficarão para o meu afilhado, para quem a casa também irá ficar. Caso não as continue, pelo menos manterá as colecções que eu lhe lego.

- No seu caso tem o problema resolvido. Mas qual a solução que acharia ideal para preservar as valiosas colecções que muitos de nós possuímos?

- A entrega a museus. Aliás, já combinei com o meu afilhado: se ele algum dia tiver necessidade de se desfazer das colecções, deverá entregá-las a qualquer museu que as preserve.

- Que museu é que pensa que aceitaria essas colecções?

- Dou-lhe um exemplo do que se passa em França: visitei lá um clube de banda desenhada que estava a organizar um pequeno museu onde já existia um valioso espólio de revistas da especialidade. Esse embrião de museu ainda era primitivo, mas destinava-se a ser de acesso público no futuro.

- Onde é que viu isso?

- Numa cidade pequena, de que não me lembro o nome, próximo de Clermont-Ferrand.

- Por acaso eu também já tenho pensado que se o Estado (ou qualquer entidade privada, género Gulbenkian) desse um bom apoio económico e de instalações ao CPBD, poderia ser o nosso clube a organizar e a manter actualizado um Museu de Banda Desenhada. Sonhos meus, é claro...
Para terminar: qual a influência, para a BD, resultante da existência de coleccionadores?

- Os coleccionadores são os elementos-chave para guardarem as raridades doutros tempos, e fazerem a propaganda, junto da juventude, desses tesouros.     


É tendo em atenção os vinte e seis anos que entretanto se passaram, que esta entrevista deve ser lida. Repare-se que os preços mencionados pelo coleccionador ainda são em escudos, além de falar em tostões, até em "paus", formas de linguagem populares na época para referir centavos ou escudos, respectivamente.


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