terça-feira, dezembro 27, 2016

Entrevistas Antigas a Autores de BD - Alexandra




Em cima: 1) página do jornal que mostra a entrevista; 
2) Foto de Alexandra; 3) Prancha inicial da banda desenhada. 

Tal como tenho feito durante umas dezenas de anos, em que incentivei gente nova interessada em fazer BD, apoiei Alexandra quando me mostrou uma banda desenhada que tinha feito por gosto pessoal, sem saber o que havia de fazer com ela. 

Como na altura - estamos a falar de meados dos anos 1980 - estava a coordenar duas páginas de BD, com o título Tablóide, no jornal editado em Lisboa, Diário Popular, apesar de a banda desenhada ter uma extensão um pouco exagerada para o conceito pelo qual eu tinha preferência, curtas de BD até dez pranchas - a publicação do Tablóide compunha-se de duas páginas semanais.

Mas publiquei, com início em 15 de Fevereiro de 1986.  Mostrarei algumas das catorze pranchas/páginas que compõem a banda desenhada Faca no Bolso, realizada pelo duo Alexandra, autora dos desenhos, e António Luís, escritor do argumento. Este nunca o cheguei a conhecer, mas quanto a Alexandra (Maria Alexandra Soveral Rodrigues Dias) soube que mais tarde se doutorou na Universidade de Évora, onde passou a ser professora, e foi co-autora de um estudo sobre etnobotânica, mas nunca mais tive notícias dela na área da BD.

Prosseguindo o esquema habitual nesta recuperação de colaborações minhas de BD para jornais, começarei por reproduzir a entrevista com Alexandra, posteriormente mostrarei a banda desenhada.
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A BD PODE FUNCIONAR
COMO VÁLVULA DE ESCAPE

Docente numa cidade de província, Alexandra gosta de ver e fazer BD. Ela é, em certa medida, uma «avis rara»; isto porque, em Portugal, são escassas as autoras de banda desenhada.
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Mesmo nas épocas em que quase todos os jovens, e grande número de adultos, liam revistas de histórias aos quadradinhos, já a educação tradicional nas famílias portuguesas tendia a delas os olhos femininos.
   Os tempos - e as vontades - mudaram, é certo; a Mulher passou a compartilhar com o Homem todo o tipo de actividades. Mas a época actual já não privilegia tanto a Banda Desenhada, mesmo considerando a espectacular revalorização verificada nestes últimos anos.
E porque as oportunidades de publicação são escassas, e tendem a ser absorvidas pelos grafistas que forcejam por subsistir através da BD, a situação em relação à mulher pouco se alterou neste campo: Maria Manuela Torres - veterana da BD portuguesa, apenas presente na revista «Girassol»; Catarina Labey - iniciada no «Fungagá» e que tem aparecido, esporadicamente, no «Mundo de Aventuras»; Isabel Lobinho que, uma dezena de anos depois de ter alcançado notoriedade na revista «Visão», voltou a aparecer em fanzines («Boletim do CPBD» e «Protótipo») e, recentemente, com a bd a cores "Agora eu era a heroína" («Correio de Domingo», revista/suplemento dominical do jornal «Correio da Manhã»), são praticamente as únicas grafistas que, nestes últimos anos, têm visto reproduzidas bandas desenhadas suas.
   A esta minguada lista vem agora acrescentar-se Maria Alexandra Soveral Rodrigues Dias. Tendo aparecido a concorrer, com a sua primeira banda desenhada, ao concurso de BD organizado pela Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, em 1980, colaborou posteriormente nos fanzines «Hamburger» e «Gazua». As suas possibilidades eram evidentes mas, como tem acontecido a muitos novos grafistas, o seu rumo desviou-se para outro campo: licenciada em biologia, dedicou-se a uma carreira de docente universitária na área de Botânica. Nascida em Lisboa, a 15 de Setembro de 1958, Alexandra é suficientemente jovem e entusiasta para fazer, de tempos a tempos, bandas desenhadas. A mais recente é esta que cedeu para passar no «Tablóide».
   Iniciando a entrevista como é habitual, pedimos-lhe que nos dissesse o que entende por banda desenhada.

- Do ponto de vista de ser eu a fazê-la, acho que é um fantástico meio de expressão, que por vezes é muito difícil de utilizar. Do ponto de vista de leitura e de ver, é sobretudo gozo.

- E a nível prático?

- Penso que pode ser uma forma de realização pessoal para muita gente. Mas para mim, acho que pode funcionar mais como uma válvula de escape.

- Na sua opinião, acha que estaremos numa fase de maior interesse pela banda desenhada?

- Eu penso que agora há bastante interesse, pelo menos a nível das cidades. Na aldeia em que actualmente estou a morar, poderá ter interesse para os miúdos, mas não creioque atinja o resto das pessoas. 

- Em que é que se baseia quando fala nas cidades?

- Nas pessoas que eu conheço.

- Também licenciadas?

- Todas. Algumas licenciadas entre elas. Mas não creio que o facto de ter um curso superior tenha qualquer influência; tem mais a ver com características pessoais.

- Acha que o ambiente que existe actualmente à volta da BD é favorável ao seu desenvolvimento?

- Eu estou um bocado afastada. Não consigo sentir o ambiente que existe em relação à banda desenhada. Mas isso também acontece com o cinema, ou outra coisa qualquer. Geograficamente estou um bocado longe desses ambientes.

- Os jornais estão agora a dar maior apoio à banda desenhada. Pensa que esse facto virá beneficiar os novos autores?

- Penso que sim.

- Quantas bandas desenhadas suas foram publicadas e onde?

- Uma no fanzine «Hamburguer» (nº 1 - Nov.81):«O Herói depois da Meia-Noite», só parcialmente publicada; outra no fanzine «Gazua» (nº 1 - 2ª fase - 1982); «A Bequinhas Ciumenta ou Os ciúmes da Bequinhas». Tenho ainda «A Maçã de Adão" e «Mãe», que nunca foram publicadas; e «A Faca no Bolso», que você aceitou agora para o «Tablóide». Tenho mais algumas muito curtas e pouco conseguidas, que não interessam. 

- Qual dessas foi a sua primeira banda desenhada?

- «A Maçã de Adão». Aliás,participei com ela num concurso de BD, em 1980, organizado pela Associação de Estudantes do IST.

- Estou a lembrar-me. Mas apesar de ter feito parte do júri, não me recordo se obteve algum prémio.

- Uma Menção Honrosa

- Mudando de assunto: gosta de personagens fixas?

- Gosto. Como o Astérix, por exemplo. Ou o Tintin.

- Porquê?

- Nestes exemplos que eu dei não se nota muito. O que eu gosto sobretudo é de ver uma personagem que se mantém, que vai crescendo, evoluindo, envelhecendo ao longo das histórias. Que é o que acontece, por exemplo, com o Tenente Blueberry. 

- Pensa continuar a fazer BD?

- Se tiver oportunidade para isso... Oportunidade no meu caso quer dizer tempo.

- Mas se a oportunidade surgisse, seria possível interessar-se em desenvolver uma história passada em ambiente marcadamente português?

- Quanto a isso, as minhas bandas desenhadas têm principalmente a ver comigo. E, como penso permanecer em Portugal, os temas serão também portugueses.

- Há algum desenhador português por quem tenha admiração especial?

- Zepe.

- E entre os estrangeiros? 

- Gosto bastante de Sokal, de Muñoz, de Pratt, claro, embora considere que ele é um mau desenhador, de Giraud e muitos mais.

- Algum deles teve influência no seu estilo, ou no género de personagens que prefere? 

- Penso que todos.

- Há algum herói de BD que considere excepcional?

- Sim. O Tenente Blueberry.

- Porquê?

- Porque acho que é uma personagem cheia de vida interior. Além de que as histórias são fantásticas, muito bem conseguidas, associadas a a um estilo de desenho muito bom.

- Há algum tema que deseje vir um dia a transformar em BD?

- A insatisfação.

- Um tema bastante abstracto e talvez difícil de concretizar em banda desenhada...

- Concordo que é difícil, mas não acho que seja assim tão abstracto.

- Desafio-a a provar isso, trabalhando esse tema na sua próxima banda desenhada.

- Penso que a insatisfação não pode ter uma só história, tem de ter muitas. Mas, para ser franca, não tenho a certeza de conseguir trabalhar esse tema de uma forma que me satisfaça. Acho que sou muito exigente.

- Estamos agora no campo da insatisfação artística...

- Claro.

- Para finalizar, o que pensa do «Tablóide»?

- Acho que é bom que haja um espaço como o «Tablóide» para dar a conhecer as pessoas que fazem Banda Desenhada                 
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Os interessados em ler as entrevistas anteriores a Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões, António Ruivo, António Jorge Gonçalves, Luís Diferr, Renato Abreu, "Pitágoras", Miguel Alves (actual Pedro Burgos), poderão fazê-lo clicando no item Entrevistas antigas a autores de BD visível no rodapé

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