Hoje, 13 de Fevereiro de 2017, regista-se o octogésimo aniversário da saga conhecida em Portugal simplesmente por Príncipe Valente.
Com efeito, 13 de Fevereiro de 1937 foi quando começou a publicar-se Prince Valiant in the Days of King Arthur, obra maior da BD, criada por Harold Foster e por ele desenhada até 1971, data em que o herói passou para as mãos de John Cullen Murphy, em seguida para as de Gary Gianni, e por fim, até ver, para as de Thomas Yeates, todos a continuarem a trabalhar para a publicação em jornais, inicialmente para os americanos.
Mas, imprevisivelmente, entre Dezembro de 1994 e Março de 1995, houve uma edição inesperada, sob a chancela Marvel (Marvel Comic no primeiro fascículo, Marvel Select nos seguintes), uma mini-série de quatro comic books, cada um com quarenta e oito páginas, ou seja, um total de cento e noventa e duas, significando assim que o conjunto constitui uma novela gráfica, cuja trama é cheia de peripécias e acontecimentos surpreendentes - um deles, por exemplo, é a morte, sob tortura, do grande amigo de Valente, Sir Gawain.
Esta obra, independente da sequência normal, teve por autores Charles Vess, escritor do argumento, Elaine Lee, autora do guião, e John Ridgway, desenhador.
As capas dos comic books são da autoria de Mike Kaluta, isto sabe-se porque três delas (#1, #3 e #4) estão assinadas, mas nos créditos registados nos versos das contracapas o nome dele não é mencionado (!), pormenor estranho e injusto, tanto mais que os nomes dos autores das ilustrações da contracapa têm o devido registo: Charles Vess do #1, Jeff Smith do #2, Paul Chadwick do #3, Will Simpson do #4.
A obra Príncipe Valente foi divulgada em Portugal através de várias publicações: jornal diário O Primeiro de Janeiro, revistas O Mosquito (1ª e 5ª séries), Mundo de Aventuras, Mundo de Aventuras Especial, Condor, Condor Popular, Condor ("Amarelo"), Audácia, Tigre (1ª série), Ciclone, Jornal do Cuto, Comix, TV Júnior, e nos álbuns da Agência Portuguesa de Revistas, da Editorial Futura, da ASA, da Livros de Papel, da Bonecos Rebeldes, e no suplemento Notícias Infantil (no jornal Notícias, em Lourenço Marques, anos 1960 e 1970).
A ilustrar o presente post vêem-se as seguintes imagens (de cima para baixo):
1. Capa do comic-book 1, relativo a Dezembro de 1994
2. Comic-book 1, páginas 2 e 3, uma prancha panorâmica
3. Comic-book 1, páginas 41, 42 e 43, protagonizadas pelo Príncipe Valente e por Merlin, este, além de muito idoso, completamente cego.
4. Capa do comic-book 2, datado de Janeiro 1995
5. Capa do comic-book 3, datado de Fevereiro 1995
6. Capa do comic-book 4, datado de Março 1995
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PRÍNCIPE VALENTE
Alguns elementos biográficos acerca do herói
"Não encontrei uma única conquista pela força que fosse duradoura. O que é que se mantém ainda das conquistas de Alexandre ou de César?
Com as conquistas só se conseguem tristes inimizades. Só utilizarei a minha espada em defesa da liberdade e da justiça!"
Estas as belas palavras do Príncipe Valente, herói de gloriosas e fascinantes aventuras. Salpicadas também por episódios pitorescos, elas contribuíram para introduzir na banda desenhada o clima lendário dos grandes feitos da cavalaria medieval, e dos elevados princípios dos seus cavaleiros andantes.
Aguar, rei de uma antiga cidade nórdica de existência incerta, chamada Thule, vê-se obrigado a lutar contra os seus implacáveis inimigos, à frente dos quais está o usurpador Sligon. Mais fortes na circunstância, estes empurram-no para o mar. Como única saída, o rei, a rainha e um principezinho chamado Valente embarcaram num veleiro, com um pequeno séquito de amigos fiéis, procurando refúgio seguro ao longo das falésias da Bretanha.
Assim começava o primeiro episódio da saga do Príncipe Valente, em 13 de Fevereiro de 1937. Para as impressões iniciais, esta cena não era muito favorável, mas em breve elas seriam melhoradas, ao ver-se o pequeno grupo, depois dessa viagem marítima bastante acidentada, combater e vencer os semi-selvagens bretões que os haviam atacado.
Após umas tantas peripécias relativamente breves, o pequeno príncipe de Thule cresce no curto espaço de alguns episódios. Quando se despede do pai, deixando para trás o país pantanoso, Val é já um desenvolvido adolescente.
Esta transformação, que ocupou um pequeno período da série, verificou-se entre 13/2/1937 e 23/4/1937, no tempo real.
Observando-se a última vinheta da décima primeira prancha, vê-se que Val já adquiriu o aspecto que o iria tornar famoso ao longo dos anos. Sente-se uma certa pressa na transformação, como se o seu criador tivesse acedido, quase a contra-gosto, em debruçar-se sobre essas fases da infância e adolescência do herói.
Apesar de impaciente, Foster não deixa de enriquecer essas primeiras páginas com imaginosos episódios. O encontro com Horrit, a feiticeira, mãe do monstruoso Thorg, é um deles.
"Não há para o homem maior infelicidade do que conhecer o seu futuro", diz-lhe ela.
Mas a curiosidade de Val resiste à lúcida advertência, e ouve o que Horrit lhe diz:
"Aguarda-te já um grande desgosto. Irás ter muitas aventuras, travarás muitas lutas, e jamais encontrarás a felicidade".
Essas profecias não estão totalmente longe da realidade: quanto ao às grandes lutas, esse será o leit motiv da saga do Príncipe Valente; por outro lado, a sua vida tem tido realmente muitas coisas más, de que a mais marcante terá sido a morte da mãe, que sucumbiu ao clima hostil do país onde se haviam refugiado.
O seu exílio, que durou doze anos, e a morte de Ilene (Helena na versão portuguesa), o seu primeiro amor, foram outros tantos episódios envenenados de tristeza e revolta. Mas a vida do príncipe teve já momentos de felicidade, de que um dos mais importantes terá sido a participação numa pequena cerimónia que jamais esqueceu: o Rei Artur, tocando-lhe no ombro com a sua famosa espada, armou-o Cavaleiro da Távola Redonda, como reconhecimento da sua bravura e lealdade.
Outro desses momentos foi o primeiro encontro de Valente com Aleta, e, após muitas peripécias, o casamento. Também o nascimento dos seus filhos contribuíram para que, feito o cômputo geral, o prato da balança penda claramente para o lado da felicidade.
No que se refere a coisas do coração, que são sempre, se não sempre agradáveis, pelo menos emocionantes, Sir Valente também já teve a sua conta. Não é que tenha qualquer semelhança com Sir Gawain, o incansável conquistador, claro. Mas, entre desgostos, desenganos, amores exaltados, de tudo conheceu o coração do príncipe.
No princípio, foi Ilene, a bela jovem de cabelos cor de mel, o saboroso primeiro amor de Valente, e também, simultaneamente, o grande amor de Arn. Mas Ilene morreu, e os dois príncipes, que apesar de rivais se haviam tornado amigos, construíram um monumento de pedra em sua memória.
É ainda de referir a sua fugaz atracção amorosa pelas irmãs Sombelene e Melody. Mas Melody apaixonar-se-ia por Hector e Sombelene por Angor Wrack, ex-captor de Valente. Por acaso será com este casal que Valente celebrará os seus dezoito anos.
Na realidade, porém, no seu coração havia persistido sempre uma visão, quase irreal, de uma loura jovem que lhe dera água quando, morto de sede e exausto, fora ter a uma misteriosa ilha.
A única prova de que não se tratara de uma visão, fora o papel que ficara no barco, assinado por Aleta.
O encontro seguinte seria bem real, completamente estragado por um mal-entendido. E finalmente, após raptá-la da sua corte, levado por negras intenções, Valente acabaria por ceder à inteligência, meiguice e infinita paciência de Aleta que, durante a longa viagem imposta pelo príncipe,lhe suportou as injustas afrontas.
Casaram por fim, como era de esperar, e desta feliz e inquebrável união nasceram quatro filhos, entre os quais duas gémeas.
Ao fim de todos estes anos, o Príncipe Valente vai tranquilamente envelhecendo. Os seus filhos cresceram e Arn, o mais velho, é já o seu sucessor nas deambulações pelo mundo, um dos aspectos mais originais deste romance gráfico.
As aventuras de Arn são o contraponto aos vários flashbacks provocados pelas recordações de Valente. Aventuras nunca vistas na juventude do príncipe, vão assim permitindo mantê-lo no centro do interesse da série, tornando a sua vida num longo mas nunca fastidioso percurso.
A história do Príncipe Valente nunca sofreu qualquer interrupção. John Cullen Murphy, que ganhara nome com a personagem Big Ben Bolt (Luís Euripo em Portugal), fora substituindo gradualmente Harold Foster, tendo-lhe sido entregue definitivamente a série em 1971.
Murphy, que inicialmente seguia com razoável fidelidade o estilo do Mestre, começou a pouco e pouco a derivar para o seu próprio, bem menos académico e perfeccionista.
Quanto a isso, Foster foi bastante benevolente quando disse, há uns anos: "Pelas cartas que recebo, sei que os leitores estão satisfeitos e tudo está a correr muito bem. Estou até a sentir uma pontinha de ciúme."
Seria interessante saber se manteve esta opinião até ao fim da vida. Pela nossa parte, pensamos que haveria muitos desenhadores bem mais adaptáveis ao estilo de Foster do que John Cullen Murphy, que acabou por perder o seu próprio estilo e não conseguiu fazer esquecer o criador original.
Geraldes Lino
Nota: Este artigo foi originalmente publicado na rubrica "Banda Desenhada" do extinto semanário O País, datado de 30 de Setembro de 1982 (agora com uma pequena alteração).
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Os interessados em visionar posts anteriores dedicados ao Príncipe Valente poderão fazê-lo clicando no item homónimo visível em rodapé
Parabéns ao Príncipe Valente e ao Geraldes Lino por se dar à pachorra de o lembrar, e sem nenhum desacerto. Em relação aos "comic books" comentados, tenho-os, mas achei o desenho tão desagradável que nem os li. Mas também qual o desenhador capaz de emular Foster?
ResponderEliminarAo amigo Manuel Caldas, o maior conhecedor do Príncipe Valente, obra maior da BD clássica, o meu agradecimento pelo comentário.
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