segunda-feira, setembro 18, 2017
Imprensa - Críticas e Notícias Sobre BD (XXXIV) - Anne Frank em BD
Com a devida vénia ao jornalista José Marmeleira (*) e ao jornal Público, reproduzo as duas páginas do suplemento Ípsilon, datado de 15 de Setembro de 2017, e transcrevo excertos do texto intitulado "A Vida de Anne Frank contra tempos sombrios".
Passo a citar:
"Uma adaptação fiel ao livro. Descreva-se assim a versão em banda desenhada de O Diário de Anne Frank, realizada pelo cineasta Ari Folman e o ilustrador David Polonsky, que no próximo dia 21 chega às livrarias portuguesas com o selo da Porto Editora. Não aguardem os leitores grandes experimentações em termos temáticos ou formais. As sequências, o estilo de desenho, as vinhetas e os balões adequam-se à leitura tradicional de um livro de BD, procuram ilustrar, sobre o papel, aquilo que a jovem Anne Frank escreveu, num pequeno caderno, entre 12 de Junho de 1942 e 1 de Agosto de 1944. Não há desvios, omissões ou novidades nesta versão, a primeira em banda desenhada autorizada pela Fundação Anne Frank. Nas suas páginas, estão representadas o quotidiano no anexo secreto de Amesterdão, as relações da jovem com os pais, os primeiros arroubos da adolescência, o humor, o medo, a guerra e a ameaça da morte. Recorrendo à linguagem da banda desenhada, os dois artistas conservaram o retrato da intimidade de uma rapariga judia sob a escuridão da Europa. A fim de a voltar a lembrar.
O reencontro de Art Folman e David Polonsky com O Diário de Anne Frank não se deu sem dúvidas e redescobertas, como ambos revelaram na apresentação do livro em Paris, na Maison de la Poésie no início do mês. (...)
"(...) contou Folman [A minha mãe] sobreviveu ao Holocausto, tal como o meu pai. É um acontecimento que faz parte da história da minha família, está entranhado no meu ADN. Acabei por aceitar. Não resisti."(...)
"(...) Acontece que nesta adaptação, os dois artistas decidiram ressaltar os pensamentos, o humor, a rebeldia da jovem (no seu inconformismo pressente-se já a inquietação que nos anos 60 agitaria a juventude da Europa e dos EUA). Para tal, uma das estratégias passou por preservar, com frequência, as palavras, como aquelas que podemos ler na página 113, a propósito da permanência da beleza contra a desgraça e a morte. (...)
"(...) No Diário de Anne Frank a vida também está representada e é muito bonito o modo como a Anne Frank a observa. Penso que nos envolvemos muito com esse lado, atentos ao conjunto de personagens, ao modo como se vestiam, àquilo que sentiam, às suas idiossincrasias. (...)
"(...) A vida de Anne Frank no diário gráfico de Ari Folman e David Polonsky acolhe os anseios, as esperanças e medos dos habitantes do anexo (a irmã e os pais de Anne, a família van Daam, o dentista Albert Dussel), ilustra os desentendimentos domésticos, as peripécias provocadas pela falta de alimentos ou pela ameaça dos ladrões e das denúncias. Chega mesmo a enfatizar a dificuldade das relações interpessoais, o sufoco a que a vida privada é sujeita sem a liberdade de uma vida pública (as personagens vivem sem espaço entre elas). O livro não se furta ao desespero, mas contraria-o, ilustrando o humor e a ironia da própria Anne Frank, humanizando o drama das famílias (vejam-se as páginas 80-81 ou 127). (...)
"(...) Entre as palavras e as imagens
"Enquanto relíamos o diário, fomos reparando na qualidade da escrita. Era boa literatura", conta David Polonsky. "Como ilustrador, tenho uma regra. Quando o texto é bom, não se desenha. Por isso, o leitor encontra tantas manchas de texto. Uma das raras ocasiões em que não segui a regra aconteceu quando a Anne Frank usa a metáfora para descrever o isolamento no anexo (páginas 86-87). É uma imagem com tal pathos que não lhe resisti. Andei à volta dela durante dias, modifiquei o desenho inúmeras vezes. No fim fiz uma ilustração que noutras condições não faria".
Embora se vislumbrem referências familiares no estilo de desenho e na planificação das páginas, a banda desenhada é uma arte recente no percurso do ilustrador. "Há autores que considero incontornáveis, e que me influenciaram, como o Chris Ware, o Daniel Clowes, os autores do grupo Actus [fundado em 1995 em Israel por Rutu Modan, autora de BD premiada internacionalmente] mas não é a área em que trabalho habitualmente. Fazer banda desenhada ainda é para mim uma actividade difícil, considero-a uma linguagem muito complexa. Quando fiz a adaptação gráfica de Valsa com Bashir apercebi-me disso. No cinema de animação, existem várias imagens, nenhuma é definitiva. Na banda desenhada, procura-se uma imagem que congele um momento no tempo. Também, por isso, decidimos experimentar menos com o Diário de Anne Frank. Optámos por pranchas muito tradicionais e por uma abordagem o mais despretensiosa possível. Já era um grande desafio traduzir um trecho preexistente em banda desenhada. Tentámos não ser muito criativos com as imagens."
(...)
(*) José Marmeleira, jornalista do jornal Público, chegou a editar um fanzine de BD, e talvez por isso de vez em quando escreve sobre o assunto. A reportagem que foi fazer a Paris, à "Maison de la Poésie" demonstra sólida qualidade jornalística e, para quem gosta de banda desenhada, este texto constitui preciosa informação sobre a novela gráfica e a própria protagonista do drama.
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Os interessados em ver as 32 anteriores postagens deste tema "Imprensa - Críticas e Notícias sobre BD" (com início em 15 de Julho de 2005) poderão fazê-lo, bastando para isso clicar nesse item visível aqui por baixo no rodapé
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