O nome do escritor italiano Emilio Salgari voltou a ganhar visibilidade quando a sua personagem Sandokan apareceu numa série televisiva - em finais da década de 1970 - em que aquele pirata dos mares, "o tigre da Malásia", criou uma nova geração de admiradores.
Mas também um pouco mais tarde, já nos anos de 1980, um admirador da obra de Salgari, dotado para o desenho - Santos Costa - resolveu transformar em banda desenhada excertos de romances do prolífico escritor, no que foi o primeiro autor português de BD a fazê-lo, e até agora o único.
Essa sua primeira incursão no universo salgariano deu-se na importante revista de BD Mundo de Aventuras, em bedês baseadas nas obras "Os Tuaregues", "O Último Tigre" e "A Formosa Judia".
Passaram-se bastantes anos - dezena e meia - e Santos Costa foi desenvolvendo esse núcleo inicial, e o resultado, com uma bem maior extensão, foi recentemente editado em álbum, sob o título Os Piratas do Deserto.
Eurico de Barros, atento e lúcido crítico de cinema, mas que estende o seu interesse analítico à BD, deu grande visibilidade a esta adaptação de Salgari à figuração narrativa, no jornal Diário de Notícias (edição de 24 do corrente mês de Setembro), na rubrica DN Artes. É desse extenso comentário crítico, complementada por conversa com o banda-desenhista, que aqui em baixo reproduzo alguns excertos (respeitando o uso pelo DN do novo acordo ortográfico AO90).
Imagens que ilustram o post (de cima para baixo):
1. Reprodução da página do Diário de Notícias, rubrica DN Artes, com a foto de Santos Costa e o texto de Eurico de Barros
2. Prancha da banda desenhada reproduzida no texto
3. Capa da obra em álbum "Os Piratas do Deserto", edição ASA, que também ilustra o artigo
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Nona Arte. Em "Os Piratas do Deserto", Santos Costa adapta pela primeira vez em banda desenhada em Portugal um livro do criador de Sandokan e do Corsário Negro
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EURICO DE BARROS
Nona Arte. Em "Os Piratas do Deserto", Santos Costa adapta pela primeira vez em banda desenhada em Portugal um livro do criador de Sandokan e do Corsário Negro
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EURICO DE BARROS
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Foi lido e elogiado por Umberto Eco, Borges,Neruda, Fellini ou Garcia Marquez, e 'Che' Guevara levou livros dele para a Sierra Maestra durante a guerrilha em Cuba. No passado dia 21 de Agosto assinalaram-se os 150 anos do nascimento do italiano Emilio Salgari (...) A coincidir com a efeméride, acaba de sair Os Piratas do Deserto, de Santos Costa, a primeira adaptação para para banda desenhada (BD) em Portugal de um romance do prolífero escritor italiano, feita por um desenhador (também escritor, ilustrador e cartunista) nos seus tempos livres de funcionário público, agora já reformado.
Assim introduz Eurico de Barros o tema. Em seguida, reproduz palavras de Santos Costa:
"Esta aventura foi originalmente publicada no Mundo de Aventuras, em dezembro de 1986, e agora levou um nova versão, mais ampliada", conta o autor. "Afinal, passaram-se 26 anos e tive que adaptar o traço para a obra ser mais homogénea. Eram 32 pranchas que agora foram transformadas em 165. E, graças à editora, Os Piratas do Deserto 'cai' mesmo na comemorações dos 150 anos do nascimento do Emilio Salgari (...)"
"(...) Esta obra foi uma das que sofreu uma maior corruptela por parte do editor português do Salgari, a Romano Torres (...) Eles condensaram os dois livros ["A Formosa Judia" e "Os Piratas do Deserto"] num só volume e alguns capítulos foram amputados. Por isso tive o cuidado de dizer no álbum que é uma adaptaçãolivre da obra de Salgari (...)"
O tipo de aventura, o traço do desenhador e o preto e branco dão a Os Piratas do Deserto um sabor nostálgico e tradicional, a contraponto da maioria da BD de hoje - esta é a opinião do crítico acerca da obra.
O autor confirma-a:
"É um álbum a contracorrente, sim. Mas eu,quer na BD, quer no cinema, nem sempre acompanho a maré e o público leitor e cinéfilo pode desejar que haja alguma coisa do passado que ainda seja feita hoje. E esta BD é a preto e branco porque também há ainda hoje alguns filmes que o são. É uma opção estética porque se enquadra na obra original, que é do século XIX, com um assunto do século XIX (...)
Admirador de Hugo Pratt (opinião de Eurico de Barros), Santos Costa diz não ter "propriamente um estilo".
"O meu desenho é um desenho saído muitas vezes quase espontâneo, intermédio entre a BD franco-belga e alguns autores ingleses" (...) "Nunca pus a opção de ser um autor de BD a tempo inteiro, nem consegui ser um autor consagrado. E mesmo que conseguisse, não conheço autores portugueses que sobrevivam apenas desta arte. Não se consegue ser umprofissional de BD a tempo inteiro. (...)"
Santos Costa gostava de desenhar outro livro de Emilio Salgari, A Montanha de Luz - informa o articulista.
"Foi a primeira tradução dele editada em Portugal, um ano antes da sua morte, em 1911. Não estou a planear nada, por causa das condições do nosso mercado, mas gostava que Os Piratas do Deserto não fosse o primeiro e último romance do Salgari a ser adaptado para BD em Portugal."
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SANTOS COSTA
Biobibliografia
Fernando Jorge Santos Costa, Lisboa, 14 de Fevereiro de 1951.
Estudou em Viseu, onde completou o antigo 5º ano liceal.
Depois disso, como ele diz, tem vivido entre a escrita e o desenho. Da escrita - apesar de já ter mais de uma dúzia de livros publicados, englobando contos, romances e monografias - aqui só ficará curto registo de argumentos ou adaptações literárias para a banda desenhada, pois é de BD que trata este blogue.
Santos Costa iniciou-se no Mundo de Aventuras - um bom começo. Em 1979, na 2ª série daquela revista, estreia-se com A Caça aos Lobos. E, como aconteceria bastas vezes, numa adaptação literária que ele próprio fez da obra de Aquilino Ribeiro, assim satisfazendo também a sua tendência para as letras. Chegado aos anos de 1980, realiza Os Tuaregues, em adaptação literária de Salgari, tal como fez com O Último Tigre e A Formosa Judia; quanto a D. Quixote e o Lobo, baseou-se em Cervantes, obviamente.
Passou pela História - Fernão de Magalhães -, e pelos contos tradicionais - O Boi Cardil, D. Caio, Branca Flor, A Dama Pé-de-Cabra, Os Dois Compadres, O Velho do Surrão. Há ainda uma lenda, A Truta de Celorico, um conto tradicional africano, e outro chinês, Os Homens de Pedra de Sutilé e A Mulher de Wan His-Liang, respectivamente. É todo um variado leque de temas vertidos para BD naquela prestigiosa revista juvenil.
Uma parte significativa da sua actividade de autor nesta área teve apoio no semanário O Crime, para onde transformou em bandas desenhadas, ao ritmo de uma prancha em cada número, a preto e branco, grande diversidade de casos. Por exemplo, históricos: A Execução dos Távoras (este episódio abrangeu treze pranchas), Zé do Telhado (uma adaptação que durou vinte e uma semanas e igual número de pranchas), João Brandão, Diogo Alves, Alves Reis, O Regicídio e O Atentado a Salazar.
Santos Costa, durante os anos 1990 e primeiros de 2000, nunca vacilou em adaptar, qualquer que fosse o assunto, a desenhos sequenciais, como se percebe por alguns dos restantes títulos: Os Marçais de Foz Côa, O Gang do Multibanco, O Estripador de Lisboa, O Caso "Meia Culpa", A Turista Violada, O Massacre de Fortaleza, O Crime do Padre Frederico, entre outros.
Na área nobre dos álbuns, o seu primeiro aparece em 1985: Batalha de Trancoso, com miolo a preto e branco, numa edição da autarquia homónima; em 1988, no formato de livro, sai O Magriço, um dos Doze de Inglaterra; em 1990, também com apoio da Câmara trancosense, é editada, a cores, a história de uma enigmática personagem local, Bandarra-Poeta, profeta e sapateiro de Trancoso.
Em 1994, surgindo pela primeira vez a história de um partido político em BD, Santos Costa realiza a obra PSD-Partido Social Democrata-20 anos, álbum com capa a cores e miolo a preto e branco, hoje em dia uma peça muito difícil de encontrar.
Após compasso de espera de oito anos, o prolífico autor aparece com três álbuns consecutivos: Registos Criminais (2002), capa colorida e miolo a preto e branco; A Viúva do Enforcado (2003), com apoio da Câmara Municipal do Fundão; e D. Egas Moniz, o Aio, edição patrocinada pela Câmara Municipal de Lamego, estes dois últimos com capa e conteúdo em quadricromia.
Em Fevereiro de 2007 colaborou no fanzine Efeméride (nº2), com o episódio Em Trancoso, inserido na obra colectiva Príncipe Valente no Século XXI.
A sua obra mais recente, datada de Agosto de 2012, tem por título Os Piratas do Deserto, livro de 173 páginas, com a capa a cores, sob chancela da editora ASA.
Geraldes Lino
Foi lido e elogiado por Umberto Eco, Borges,Neruda, Fellini ou Garcia Marquez, e 'Che' Guevara levou livros dele para a Sierra Maestra durante a guerrilha em Cuba. No passado dia 21 de Agosto assinalaram-se os 150 anos do nascimento do italiano Emilio Salgari (...) A coincidir com a efeméride, acaba de sair Os Piratas do Deserto, de Santos Costa, a primeira adaptação para para banda desenhada (BD) em Portugal de um romance do prolífero escritor italiano, feita por um desenhador (também escritor, ilustrador e cartunista) nos seus tempos livres de funcionário público, agora já reformado.
Assim introduz Eurico de Barros o tema. Em seguida, reproduz palavras de Santos Costa:
"Esta aventura foi originalmente publicada no Mundo de Aventuras, em dezembro de 1986, e agora levou um nova versão, mais ampliada", conta o autor. "Afinal, passaram-se 26 anos e tive que adaptar o traço para a obra ser mais homogénea. Eram 32 pranchas que agora foram transformadas em 165. E, graças à editora, Os Piratas do Deserto 'cai' mesmo na comemorações dos 150 anos do nascimento do Emilio Salgari (...)"
"(...) Esta obra foi uma das que sofreu uma maior corruptela por parte do editor português do Salgari, a Romano Torres (...) Eles condensaram os dois livros ["A Formosa Judia" e "Os Piratas do Deserto"] num só volume e alguns capítulos foram amputados. Por isso tive o cuidado de dizer no álbum que é uma adaptaçãolivre da obra de Salgari (...)"
O tipo de aventura, o traço do desenhador e o preto e branco dão a Os Piratas do Deserto um sabor nostálgico e tradicional, a contraponto da maioria da BD de hoje - esta é a opinião do crítico acerca da obra.
O autor confirma-a:
"É um álbum a contracorrente, sim. Mas eu,quer na BD, quer no cinema, nem sempre acompanho a maré e o público leitor e cinéfilo pode desejar que haja alguma coisa do passado que ainda seja feita hoje. E esta BD é a preto e branco porque também há ainda hoje alguns filmes que o são. É uma opção estética porque se enquadra na obra original, que é do século XIX, com um assunto do século XIX (...)
Admirador de Hugo Pratt (opinião de Eurico de Barros), Santos Costa diz não ter "propriamente um estilo".
"O meu desenho é um desenho saído muitas vezes quase espontâneo, intermédio entre a BD franco-belga e alguns autores ingleses" (...) "Nunca pus a opção de ser um autor de BD a tempo inteiro, nem consegui ser um autor consagrado. E mesmo que conseguisse, não conheço autores portugueses que sobrevivam apenas desta arte. Não se consegue ser umprofissional de BD a tempo inteiro. (...)"
Santos Costa gostava de desenhar outro livro de Emilio Salgari, A Montanha de Luz - informa o articulista.
"Foi a primeira tradução dele editada em Portugal, um ano antes da sua morte, em 1911. Não estou a planear nada, por causa das condições do nosso mercado, mas gostava que Os Piratas do Deserto não fosse o primeiro e último romance do Salgari a ser adaptado para BD em Portugal."
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SANTOS COSTA
Biobibliografia
Fernando Jorge Santos Costa, Lisboa, 14 de Fevereiro de 1951.
Estudou em Viseu, onde completou o antigo 5º ano liceal.
Depois disso, como ele diz, tem vivido entre a escrita e o desenho. Da escrita - apesar de já ter mais de uma dúzia de livros publicados, englobando contos, romances e monografias - aqui só ficará curto registo de argumentos ou adaptações literárias para a banda desenhada, pois é de BD que trata este blogue.
Santos Costa iniciou-se no Mundo de Aventuras - um bom começo. Em 1979, na 2ª série daquela revista, estreia-se com A Caça aos Lobos. E, como aconteceria bastas vezes, numa adaptação literária que ele próprio fez da obra de Aquilino Ribeiro, assim satisfazendo também a sua tendência para as letras. Chegado aos anos de 1980, realiza Os Tuaregues, em adaptação literária de Salgari, tal como fez com O Último Tigre e A Formosa Judia; quanto a D. Quixote e o Lobo, baseou-se em Cervantes, obviamente.
Passou pela História - Fernão de Magalhães -, e pelos contos tradicionais - O Boi Cardil, D. Caio, Branca Flor, A Dama Pé-de-Cabra, Os Dois Compadres, O Velho do Surrão. Há ainda uma lenda, A Truta de Celorico, um conto tradicional africano, e outro chinês, Os Homens de Pedra de Sutilé e A Mulher de Wan His-Liang, respectivamente. É todo um variado leque de temas vertidos para BD naquela prestigiosa revista juvenil.
Uma parte significativa da sua actividade de autor nesta área teve apoio no semanário O Crime, para onde transformou em bandas desenhadas, ao ritmo de uma prancha em cada número, a preto e branco, grande diversidade de casos. Por exemplo, históricos: A Execução dos Távoras (este episódio abrangeu treze pranchas), Zé do Telhado (uma adaptação que durou vinte e uma semanas e igual número de pranchas), João Brandão, Diogo Alves, Alves Reis, O Regicídio e O Atentado a Salazar.
Santos Costa, durante os anos 1990 e primeiros de 2000, nunca vacilou em adaptar, qualquer que fosse o assunto, a desenhos sequenciais, como se percebe por alguns dos restantes títulos: Os Marçais de Foz Côa, O Gang do Multibanco, O Estripador de Lisboa, O Caso "Meia Culpa", A Turista Violada, O Massacre de Fortaleza, O Crime do Padre Frederico, entre outros.
Na área nobre dos álbuns, o seu primeiro aparece em 1985: Batalha de Trancoso, com miolo a preto e branco, numa edição da autarquia homónima; em 1988, no formato de livro, sai O Magriço, um dos Doze de Inglaterra; em 1990, também com apoio da Câmara trancosense, é editada, a cores, a história de uma enigmática personagem local, Bandarra-Poeta, profeta e sapateiro de Trancoso.
Em 1994, surgindo pela primeira vez a história de um partido político em BD, Santos Costa realiza a obra PSD-Partido Social Democrata-20 anos, álbum com capa a cores e miolo a preto e branco, hoje em dia uma peça muito difícil de encontrar.
Após compasso de espera de oito anos, o prolífico autor aparece com três álbuns consecutivos: Registos Criminais (2002), capa colorida e miolo a preto e branco; A Viúva do Enforcado (2003), com apoio da Câmara Municipal do Fundão; e D. Egas Moniz, o Aio, edição patrocinada pela Câmara Municipal de Lamego, estes dois últimos com capa e conteúdo em quadricromia.
Em Fevereiro de 2007 colaborou no fanzine Efeméride (nº2), com o episódio Em Trancoso, inserido na obra colectiva Príncipe Valente no Século XXI.
A sua obra mais recente, datada de Agosto de 2012, tem por título Os Piratas do Deserto, livro de 173 páginas, com a capa a cores, sob chancela da editora ASA.
Geraldes Lino
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