terça-feira, julho 28, 2015
Entrevistas Antigas a Autores de BD (V) - António Jorge Gonçalves
Dando seguimento à intenção de divulgar entrevistas feitas há alguns anos no suplemento "Tablóide" do jornal Diário Popular, apresento hoje a que tem como entrevistado António Jorge Gonçalves, na altura jovem de vinte e um anos, mas já valor emergente da BD.
Mais uma vez se comprova que, em relação à banda desenhada, há certos factores que pouco se modificaram, algumas opiniões do entrevistado poderiam ter sido apresentadas agora, em 2015, e não há quase trinta anos.
Reproduzo em seguida esse trabalho publicado no jornal Diário Popular datado de 23 de Novembro de 1985.
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O Design Gráfico, ramo das Belas Artes, tem muito a ver com a BD
- opinião de António Jorge Gonçalves, aluno da ESBAL
"A actividade do Design, do Design Gráfico em particular, está intimamente ligado com a Banda Desenhada. Isto porque ela é também uma forma privilegiada de comunicar com eficácia uma ideia, uma acção, uma interpretação. O designer recorre múltiplas vezes a linguagens próximas da BD, por esta se prestar a um contacto fácil e dinâmico com o receptor.
Para além disso, qualquer investigação e estudo relacionado com linguagens visuais oferece ao desenhador a possibilidade de alargar os seus horizontes, permitindo-lhe assim maior criatividade no trabalho específico a que se dedica."
Esta a opinião de um aluno da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Esse aluno, que frequenta actualmente o 3º ano de Design de Comunicação, é António Jorge Gonçalves, uma das promessas da BD portuguesa.
Bastante jovem ainda - nasceu (em Lisboa) há vinte e um anos, feitos a dez do passado Outubro - o seu interesse pela BD começou cedo. Em 1978 já ele fazia - enchia de bandas desenhadas, editava, vendia - o fanzine «Graphic».
Porquê este interesse pela BD?
"Porque é uma forma de comunicar ideias que, pela sua natureza, permite chegar a um largo número de pessoas de uma maneira eficaz."
Uma definição rápida, de improviso, mas que, por isso mesmo, reflecte uma cuidadosa análise já levada a cabo anteriormente.
Quem conheça este jovem achará natural tal cuidado na escolha das palavras: para além de falar com fluência, vê-se que pensa bem no que diz.
Vejamos, por exemplo, como é que ele considera o momento actual: no seu entender, haverá agora mais interesse em relação à banda desenhada?
"Desde há uns anos para cá, as pessoas começaram a habituar-se à ideia de que também em Portugal existiam jovens - e não só - capazes de transmitir valores sociais e plásticos através deste meio de comunicação, inicialmente rotulado «só para crianças» e, mais do que isso, subproduto para débeis mentais. A existência de secções de jornais que se debruçam especificamente sobre as H.Q. demonstra que a população em geral precisa de encontrar uma informação sobre esta forma de fazer Arte."
Essa necessidade que António Jorge Gonçalves detecta nas pessoas significará que já existe um ambiente propício ao desenvolvimento da BD?
"Em Portugal ainda falta um bocado para lá chegar. Essencialmente ao nível da mentalidade dominante dos pais portugueses, a BD continua a ser considerada a última forma de ocupar os escassos tempos livres. Por outro lado, os editores portugueses continuam persistentemente a optar pelo produto estrangeiro que tem saída garantida e, logicamente, lucros também assegurados."
Vamos por partes. Para começar: os seus pais também têm esse tipo de mentalidade? - quis eu saber, dividindo a afirmação anterior ao meio.
"Não. Os meus pais consideram a BD uma forma de comunicar com os outros, uma parte da minha pessoa e da minha sensibilidade."
Agora o resto da sua afirmação. Ela corresponde a uma realidade, infelizmente indiscutível. Em todo o caso, pode considerar-se que os responsáveis dos jornais, quando publicam banda desenhada, também estão a fazer o papel de editores, no mesmo plano dos das revistas ou dos álbuns. Nesta perspectivas, você até não é dos que mais se poderão queixar. Por exemplo no "Sete"...
"Bem, esse foi um caso especial. Criei lá uma série intitulada «Disco na Prancheta». Começou em 1981 (apareceu em três números) e, no ano seguinte, entre os nºs 187 e 220, foi publicada onze vezes!"
Houve ainda outros jornais...
"No «Correio da Manhã» (Correio da BD) fiz «Trajectórias de Campeão» em 1981. E n'«A Capital» (Suplemento Quadradinhos/2ª Série) colaborei em 1980 com «O(s) Homem(s) da Selva», e com «Bandeira Preta» (1982), que ficou incompleta, por ter deixado de existir aquele suplemento."
Mas, claro, à falta de editores profissionais de revistas que acolham as entusiásticas experiências dos novos, há sempre um fanzine à espreita. António Jorge colaborou em vários.
"Sim. No «Graphic» colaborei nos treze números publicados entre 1978 e 79. Fiz também BD para o «Boletim» (CPBD), para o fanzine chamado «Jornal da BD», e ainda nos «Ponta & Mola», «Stylus», «Videograma», «Dossier BD», «Cábula» e «Crocão», isto entre 1978 e 1982."
Um bom «curriculum» banda-desenhístico. Aqui está um grafista que já experimentou muitos géneros, desde os fantásticos aos realistas.
O que pensará ele de um dos aspectos mais representativos da BD: as personagens fixas, isto é, os heróis.
"Do ponto de vista do meu trabalho, considero que cada narrativa tem o seu objectivo, as suas características, tanto a nível de texto como a nível estético. Actualmente cada BD significa para mim uma experiência vivencial originada por toda uma série de condicionamentos que me rodearam num determinado momento. A existência de uma personagem fixa seria para mim um espartilho ao potencial criativo, limitando o meu trabalho de concepção a uma temática definida e a uma estética «coerente».
Temas ou heróis portugueses, paradoxalmente, um aspecto pouco menos que ignorado entre essa camada de novos autores. Que justificação para isso?
"Acima de tudo,o carácter lusitano de um trabalho não é marcado pela existência de sinais explícitos e declaradamente identificáveis do povo português. Nada impede que uma história de ficção científica possa deixar transparecer, por muitas e variadas formas, a «maneira» de um português fazer qualquer coisa na vida. Assim, a chave desta questão não está «naquilo que se faz», mas sim «na maneira como se faz»".
Naquilo que fez, e na maneira como o fez, quem, entre nós, merece a admiração do futuro «designer» António Jorge de Almeida Gonçalves?
"Existem dois que me impressionam favoravelmente pela sua capacidade de inovar: Victor Mesquita que, conjuntamente com a «Visão» trouxe um tipo de narração figurativa desconhecida até então nos autores portugueses, e Jorge Colombo que, apesar de toda a polémica que tem criado à volta do seu trabalho, deixa transparecer uma firme vontade de «mudar» o rumo das HQ portuguesas."
Entre os jovens que por cá vão fazendo BD, detectam-se sempre pontos de contacto estilístico com um qualquer desenhista estrangeiro. No seu caso, quais os que pode citar como tendo sido os seus pontos de referência?
"Muitos autores franco-belgas influenciaram os meus primeiros passos na BD. No entanto, as suas influências ficaram para trás, sendo Giraud/Moebius, Loustal e, principalmente, Didier Comès aqueles que indirectamente marcam mais o meu estilo actual."
Para além dos desenhadores, há algum herói da BD estrangeira que admire, quer pela sua realização gráfica, quer pela sua consistência humana?
"Aquilo que influencia um desenhador de banda desenhada não é forçosamente um qualquer autor de BD ou um seu trabalho. Existem criadores de outros veículos de comunicação plástica que, pela sua sensibilidade, me influenciam tanto ou mais do que os autores e heróis de BD. De qualquer modo, posso dizer que embora Cosey não seja dos meus autores preferidos, a sua série «Jonathan» é-me extraordinariamente cara, por oferecer uma visão muito humana e real da banda desenhada em geral e do «herói» em particular."
Haverá algum tema que, no futuro, o seduza especialmente para transformar em BD?
"Neste momento estou a estudar a hipótese de fazer uma banda desenhada que caracterize a estética e a psicologia da zona Norte do nosso país, particularmente de Trás-os-Montes.
Fiquei bastante impressionado com os dois filmes de António Reis («Trás-os-Montes» e «Ana») e tomei consciência de que será um bom ponto de partida para um novo trabalho."
Quem sabe se essa obra, que já está a germinar no seu espírito, não se irá estrear aqui no Tablóide? A propósito: o que pensa António Jorge deste pequeno suplemento dedicado, em exclusivo, à BD portuguesa?
"É uma iniciativa corajosa, esta, de publicar em grande formato os novos autores portugueses. Principalmente se pensarmos que a maior parte dos jornais continua a apresentar somente as estafadas tiras norte-americanas (com excepção do «Sete» e, agora, do «Diário Popular»). Isto significa mais um passo que o CPBD dá na promoção da nova BD portuguesa. Por outro lado, é uma perspectiva diferente, mais aberta, e para nós - desenhadores - mais animadora."
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Imagens que ilustram a postagem:
1) Primeira página do suplemento "Tablóide"
2) Prancha inicial da bd "Balas Perdidas" de António Jorge Gonçalves.
A bd completa será aqui publicada posteriormente.
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ANTÓNIO JORGE GONÇALVES
Síntese biográfica
António Jorge de Almeida Gonçalves, 19 de Outubro de 1964, Lisboa.
Licenciado em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e Mestre em Design para Teatro pela SLADE - School of Fine Arts, em Inglaterra.
Iniciou-se a fazer BD em publicações amadoras, a primeira das quais foi o fanzine Graphic, de que foi editautor dos treze números publicados entre 1978 e 1979.
Colaborou em vários outros fanzines, entre 1978 e 1985, designadamente no Boletim do Clube Português de Banda Desenhada, Jornal da BD (num zine assim intitulado, não na revista homónima editada entre 1982 e 1987), Aqui Banda, Ponta &Mola, Stylus, Dossier BD, Cábula, Crocão, Ritmo, Eros, Videograma, Azul BD Três.
Publicou bedês curtas em vários jornais, em especial no semanário Sete, onde criou a rubrica "Disco na Prancheta", também colaborou nos jornais A Capital e Correio da Manhã, e no suplemento "Tablóide" do Diário Popular.
Em 1987 participou na Bienal de Jovens Criadores da Europa Mediterrânica, realizada dessa vez em Barcelona.
Em 1989, para a editora italiana Mondatori, realizou a bd de oito páginas "Lisboa de Táxi" num projecto internacional da Comuna de Milão intitulado "Eurovisioni - Viaggio a Fumetti Tra le Cittá d'Europa", obra colectiva que teve igualmente a participação de Buzzelli, Mattotti, Crepax e Manara, entre outros.
Sob argumentos de Nuno Artur Silva, A.J.Gonçalves fez a bd de grande fôlego "As Aventuras de Filipe Seems, Detective Particular", cujo início se verificou no semanário Sete em 1992, e que acabou englobada em dois álbuns, "Ana" (1993) e "A História do Tesouro Perdido" (1994).
Naquele mesmo ano de 1994 foi-lhe publicada, sob a égide de "Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura", a obra "À Procura do F.I.M.".
Com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa - Departamento de Plano Estratégico de Lisboa" realiza a bd "Plano Estratégico de Lisboa", editada em 1995 num álbum de grandes dimensões, com 24 páginas e uma separata desdobrável em quatro partes, com um mapa de Lisboa também desenhado por ele.
Em 1997, a fazer equipa com o argumentista Rui Zink, concretiza a novela gráfica "A Arte Suprema".
É numa revista da Portugal Telecom que cria, "a solo", ainda em 1997, a série "O Sr. Abílio", que viria a ser editada em livro, em 1999.
Entretanto participou, englobado num conjunto de 17 autores portugueses, na exposição "Perdidos no Oceano", montada no Festival International de la Bande Dessinée d'Angoulême/1998.
"A Tribo dos Sonhos Cruzados - Uma Investigação de Filipe Seems", álbum editado em 2003, constitui o terceiro tomo do percurso do detective criado graficamente por A,J,Gonçalves, sob ficção da autoria de Nuno Artur Silva.
Em Dezembro de 2010, numa edição do Instituto dos Museus e da Conservação/MNAC - Museu do Chiado, surge a obra "O Grupo do Leão", sob sua criação gráfica e texto do escritor/argumentista/guionista Rui Zink, num estupendo álbum de grandes dimensões (25x34cm) luxuosamente encadernado, com o miolo em papel couché de elevada gramagem.
A sua mais recente aparição na BD foi numa composição de cariz político reproduzida em seis páginas do jornal Público, nos dias 21 e 28 de Maio, e 3 de Junho de 2011 (sempre aos Sábados), ao ritmo de duas páginas em cada número.
Essa banda desenhada foi também reproduzida neste blogue. Ver em http://divulgandobd.blogspot.pt/2011/06/politica-e-bd-ii.html
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Os visitantes interessados em ver as anteriores postagens poderão fazê-lo clicando no item BD portuguesa (antiga) em jornais, incluído em rodapé.
Caso queiram ler a entrevista com António Jorge Gonçalves, podem fazê-lo clicando no respectivo item.
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