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segunda-feira, julho 16, 2018

Entrevistas antigas a autores de BD - Rá


Estou a mostrar, de vez em quando, as entrevistas que fiz para o suplemento Tablóide que dirigi no jornal Diário Popular, em 1986. Hoje reproduzo a conversa com um autor que por essa década estava a trabalhar com regularidade, mas que hoje já poucos se lembrarão dele nesta área.
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Hoje, a BD está mais apoiada apesar da crise


Rá, ou melhor, Rui Alves, é isso que afirma. Ele considera que, actualmente (*) a banda desenhada está mais desenvolvida, que suscita maior entusiasmo, é muito mais apoiada por muito mais gente, e que para isso têm contribuído os meios de comunicação: cinema, televisão e imprensa. A que se pode acrescentar a rádio.

     Rui Alberto de Queirós Simões Alves nasceu em 1957, a oito de Janeiro. Aconteceu-lhe isso, por mero acaso, na Figueira da Foz, como podia ter sido na cidade da Beira, Moçambique. Com efeito, a partir do primeiro ano da sua vida, foi ali que viveu, até 1975. Em Lisboa acabou o 7º ano, tendo posteriormente frequentado a ESBAL, onde em 1981 se licenciou em Arquitectura. Está actualmente a trabalhar no Instituto Nacional de Administração, localizado no Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras.
     O que fará um jovem arquitecto ligado a um sector que, por hipótese, será basicamente administrativo? Para satisfazer esta curiosidade, fizemos a primeira pergunta:
     - O que é que faz por lá?
     - Até há uns meses atrás, eu estava no sector de Obras e Manutenção, englobando toda a parte de restauros e conservação de edifícios e jardins. De então para cá passei para o Sector de Edições - tudo o que é capas, folhetos desdobráveis, cartazes, enfim, tudo o que tem a ver com publicações do INA é feito lá.
     - Mais concretamente, qual é o seu papel nessa actividade?
     - Sou responsável gráfico pela maquetagem e pela execução em reprografia, ou seja, em «offset». Tudo o o que entra para as máquinas tem de ser revisto por mim.
     - Passemos à banda desenhada. É capaz de a definir?
     - É todo o desenrolar de uma história, com um conteúdo, com uma certa mensagem, essencialmente por meio de imagens.
     - A nível artístico, o que é que a BD significa para si?
     - Eu acho que a BD é mais um escape, uma realização pessoal de quem sente esse «bichinho». como eu lhe chamo, de se exprimir através de imagens.
     - E a nível prático?
     - Tem muita utilidade como comunicação visual bastante directa a um público que muitas vezes nem sequer sabe ler, ou não tem muita prática para ler.
     - Acha que estará a aumentar, ou a diminuir, o interesse do público pela BD em geral, e pela portuguesa, em particular?
     - Apesar dos problemas de crise que se ouvem contar, julgo que a BD está muito mais desenvolvida e muito mais apoiada, actualmente.
     Pela BD em geral há, portanto, maior entusiasmo, talvez devido aos meios de comunicação - o cinema, a televisão e os jornais. Neste último caso, por exemplo, vejo que há maior divulgação. Em comparação com jornais anteriormente publicados, nota-se um maior interesse na publicação de banda desenhada, incluindo a portuguesa. Esta já tem um certo peso nessa mesma divulgação, o que não se verificava há anos atrás - e isto não há muitos anos.
     - Pensa que isso beneficiará os novos autores de BD?
     - Penso que sim. Pelo menos pode elevá-los a um plano a que talvez nunca chegassem por eles próprios. É o primeiro passo.
     - Você também já deu o primeiro passo, no que se refere a bandas desenhadas publicadas.
     -  O meu mundo está muito reduzido a nível de publicação. Ainda muito jovem, ganhei um prémio num concurso de ilustrações para a Rádio Comercial (penso que era assim que se chamava) lá em África. A minha primeira banda desenhada foi editada numa publicação com tiragem muito limitada, baseada num conto infantil que foi passado a teatro. O argumento era de um primo meu, isto aconteceu no Brasil, no Rio de Janeiro. Essa publicação foi distribuída à porta do teatro onde se representava a peça a que se referia o argumento que eu tinha ilustrado.
     - Em quantas pranchas? Era a preto ou a cores?
     - Eram umas quinze pranchas a cores. Só fiquei com fotocópias. Chamava-se «O Sapo ou o Porquê?»
     - Mais?
     - Quando trabalhei no Ministério dos Assuntos Sociais, em 1982 - estive lá um ano, logo após ter terminado o curso - foi publicada por conta do ministério, com tiragem limitada, uma pequena BD  preto e branco, em forma de folheto desdobrável. Baseava-se em relações humanas dentro da família, e era feita em tiras. Eram umas cinco, já não me recordo. 
     Simultaneamente, fiz uma banda desenhada em quatro pranchas, a preto e branco também, intitulada «Flipada, o Guia Turístico». Era para ser publicada no «Tintin», mas a revista já estava no fim, e acabou por não ser publicada. Tenho trabalhado noutros campos também: na pintura e na publicidade (fiquei em terceiro lugar num concurso de cartazes em Grândola, relativa às festas da cidade).
     - Você criou «Flipada», personagem fulcral para uma banda desenhada. Isso significa que gosta de heróis fixos?
     - Não é bem o caso. Eu tenho épocas. Se uma pessoa se identifica com um determinado tipo de personagens, tende a passar para o papel essa personalidade que representa a tal personagem. Mas essa fase não dura sempre. Automaticamente amanhã posso estar identificado com outro tipo de atitude. Em suma: «Flipada» não significa que eu goste de me fixar numa só personagem.
     Adoro trabalhar a cores, o que não evita que, por vezes, queira ou tenha de me expressar a preto e branco. A cor identifica-me muito com o meio ambiente, especialmente o natural.
     - Já inseriu temas, personagens ou ambientes portugueses, em alguma das suas bandas desenhadas?
     - Estou agora a fazer uma banda desenhada, a cores, em que um dos protagonistas é português - por acaso é arquitecto... - e cujo enredo em que ele se embrenha é passado em cenário português. Neste caso é Oeiras. O tema localiza-se à volta de um problema de arquitectura, na época actual, embora com um pouco de ficção. Mas admito que tive uma fase em que notava, da minha parte, um certo preconceito na execução de histórias passadas em Portugal, com temas portugueses. Mas isso passou.
     - Há algum desenhador português por quem tenha admiração especial?
     - Sinceramente não estou muito a par do desenvolvimento da BD em Portugal e dos seus autores. Mas do pouco que conheço, não tenho admiração especial por nenhum desenhador.
     - E entre os estrangeiros?
     - Toda aquela gama belga, tais como o Godard, o Derib, sei lá... São tantos! O Franquin, etc. Já tive admiração por Hergé, mas já me passou. Ele influenciou-me na minha primeira banda desenhada, feita na adolescência. Pode acrescentar mais um: Greg.
     - Além de Hergé, houve outros que o tenham influenciado?
     - Hergé foi o meu primeiro mestre. A seguir foi Greg. Não obstante eu ter como ponto de partida a escola belga de estilo caricatural, aprecio bastante Moebius e Mézières, que me lembre agora.
     - Quanto a heróis da BD estrangeira: há algum que considere excepcional?
     - O Tintin.
     - Porquê?
     - Talvez me apanhasse numa época, a da adolescência, mais susceptível à aventura, ao sonho. Mas também se pode acrescentar que isso é devido ao seu tratamento gráfico e ao estudo pormenorizado dos «gags» durante as histórias.
     - Há algum tema que deseje transformar em BD?
     - Agora não tenho. Mas já tive a ideia de ilustrar «A Ilha Misteriosa» de Júlio Verne. Adorei esse romance.
     - O que pensa do «Tablóide»?
     - É uma oportunidade, mais que óptima, de expandir a banda desenhada portuguesa e os novos autores.
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(*) Sublinho o facto de esta entrevista ter sido feita em 1986
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Os interessados em ler entrevistas antigas a vários autores de BD, nomeadamente Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões, António Ruivo, António Jorge Gonçalves, Luís Diferr, Renato Abreu, "Pitágoras", Miguel Alves (actual Pedro Burgos), José Abrantes, poderão fazê-lo clicando no item Entrevistas antigas a autores de BD visível no rodapé