Está prestes a chegar à data de fecho (27 Março) a exposição de banda desenhada portuguesa no Centro Cultural de Belém, intitulada "Tinta nos Nervos", comissariada por Pedro Vieira de Moura.
Merece destaque o evento que dignifica a BD lusa, mesmo que se discorde, em casos pontuais, da inclusão ou exclusão de alguns autores.
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Celso Martins, jornalista, nome desconhecido na área da BD, mas que se vê que gosta dela (com uma ressalva: porquê usar o vocábulo 'quadrinhos', à brasileira, e não "quadradinhos", à portuguesa?), escreveu na edição do semanário Expresso de 29 de Janeiro, na revista/suplemento Atual (o Expresso já adoptou o novo Acordo Ortográfico) um excelente artigo, tendo por fulcro a citada exposição, ainda patente no Museu Colecção Berardo (e de que aqui falei, em 18 Janeiro, na rubrica "Exposições BD avulsas").
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Reproduzo (com a devida vénia ao articulista e ao jornal) a página do artigo a ilustrar este "post", visto que inclui a imagem de uma bd de Jucifer (aliás, Joana Figueiredo), e copio o texto na íntegra, a fim de facilitar a sua leitura.
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E acrescento um conselho, dirigido em especial aos que ainda não foram até agora ao CCB/MCB: vale a pena ver esta exposição de BD..
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EXPOSIÇÕES
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A banda de cá
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Um panorama alargado da banda desenhada portuguesa: revelação e balanço
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Texto Celso Moreira.
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Se a encararmos como um campo alargado, que inclua a caricatura e a ilustração, a banda desenhada é, sem dúvida, e ao lado do cinema, um dos produtos culturais mais paradigmáticos da modernidade. Filho da vida urbana, do divertimento, mas também das sociedades abertas com suas liberdades públicas, o mundo dos 'quadrinhos' passaria dos jornais para os livros, gerando ao longo do século XX um novo género de narrativa gráfico-literária que se exprime quase sempre numa linguagem popular mas capaz de abrir todo um novo território de experimentações visuais.
..... Como todas as existências icónicas da sociedade de massas, a BD disseminou-se por todo o Ocidente, ganhando fortíssimas e singulares tradições na Bélgica, na França, ou nos EUA, criando mercados alargados em países como a Itália e a Espanha e gerando especificidades importantes no Leste da Europa.
Portugal não foi exceção (*) a esta contaminação, ainda que, como noutros domínios artísticos, a produção portuguesa conheça as dificuldades inerentes a um mercado estreito e demasiado condicionado pela visão 'infanto-juvenil' da BD e pela supremacia franco-belga na oferta e na procura.
.... Estas condições não impediram, porém, o florescimento nas últimas décadas de uma banda desenhada de autor, exigente do ponto de vista gráfico e, em alguns casos, com um arrojo experimental.
.... "Tinta nos Nervos", uma exposição comissariada por Pedro Vieira de Moura, que revisita a produção lusa recente nesta área, mostra precisamente este panorama, construindo uma visão de conjunto largamente satisfatória.
.... Seja pela diversidade de abordagem e sensibilidades estéticas, seja pela real valia de alguns dos participantes, a BD portuguesa aproxima-se nesse particular das restantes artes visuais locais: na ausência de escolas dominantes, ela vive sobretudo da dissonância estética entre as suas personalidades mais vivas.
.... Mostrando pranchas e sequências que salvaguardam as condições narrativas da BD, mas também livros seminais, revistas e fanzines historicamente marcantes e objetos que se aproximam da linguagem gráfica, a exposição tem a enorme vantagem de mostrar esta diversidade através do trabalho de 40 autores.
.... Lado a lado, coexistem trabalhos que valorizam a dimensão social e política (Teresa Câmara Pestana, Miguel Rocha), ou vincam visões da cidade (António Jorge Gonçalves, José Carlos Fernandes), caracterizam os costumes (Pepedelrey) ou comentam a cultura local (Janus, Nuno Sousa, Miguel Carneiro), exibem estilos mais realistas (Marco Mendes), aproximam-se do fantástico (Victor Mesquita, João Maio Pinto), do onírico (Luís Henriques), da abstração (Cátia Serrão) ou especulam sobre as próprias condições gráficas (Jucifer), adotam visões mais literárias (Diniz Conefrey), tiram partido da cor em visões pop (Nuno Saraiva) ou da tonalidade expressionista (Ana Cortesão, André Lemos, Pedro Zamith), com humor (Alice Geirinhas, Carlos Zíngaro) ou pela exploração de subgéneros como a autobiografia (Marcos Farrajota, Paulo Monteiro). Entretanto, há ainda espaço para sinalizar algumas zonas de fronteira com a pintura, pelo campo comum do desenho (Isabel Baraona, Mauro Cerqueira), pela partilha de uma mesma cultura pop e vocação satírica (Eduardo Batarda), ao mesmo tempo que se incluem dois antecedentes (Rafael Bordalo Pinheiro e Carlos Botelho) que ajudam a dar profundidade histórica ao campo.
.... Como imagem de fundo de uma nebulosa tão heteróclita fica uma genérica capacidade de infiltração temática nos mais diversos assuntos e contextos sociais, com uma variedade de abordagens que pode oscilar entre o humor e a metafísica.
Merece destaque o evento que dignifica a BD lusa, mesmo que se discorde, em casos pontuais, da inclusão ou exclusão de alguns autores.
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Celso Martins, jornalista, nome desconhecido na área da BD, mas que se vê que gosta dela (com uma ressalva: porquê usar o vocábulo 'quadrinhos', à brasileira, e não "quadradinhos", à portuguesa?), escreveu na edição do semanário Expresso de 29 de Janeiro, na revista/suplemento Atual (o Expresso já adoptou o novo Acordo Ortográfico) um excelente artigo, tendo por fulcro a citada exposição, ainda patente no Museu Colecção Berardo (e de que aqui falei, em 18 Janeiro, na rubrica "Exposições BD avulsas").
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Reproduzo (com a devida vénia ao articulista e ao jornal) a página do artigo a ilustrar este "post", visto que inclui a imagem de uma bd de Jucifer (aliás, Joana Figueiredo), e copio o texto na íntegra, a fim de facilitar a sua leitura.
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E acrescento um conselho, dirigido em especial aos que ainda não foram até agora ao CCB/MCB: vale a pena ver esta exposição de BD..
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EXPOSIÇÕES
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A banda de cá
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Um panorama alargado da banda desenhada portuguesa: revelação e balanço
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Texto Celso Moreira.
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Se a encararmos como um campo alargado, que inclua a caricatura e a ilustração, a banda desenhada é, sem dúvida, e ao lado do cinema, um dos produtos culturais mais paradigmáticos da modernidade. Filho da vida urbana, do divertimento, mas também das sociedades abertas com suas liberdades públicas, o mundo dos 'quadrinhos' passaria dos jornais para os livros, gerando ao longo do século XX um novo género de narrativa gráfico-literária que se exprime quase sempre numa linguagem popular mas capaz de abrir todo um novo território de experimentações visuais.
..... Como todas as existências icónicas da sociedade de massas, a BD disseminou-se por todo o Ocidente, ganhando fortíssimas e singulares tradições na Bélgica, na França, ou nos EUA, criando mercados alargados em países como a Itália e a Espanha e gerando especificidades importantes no Leste da Europa.
Portugal não foi exceção (*) a esta contaminação, ainda que, como noutros domínios artísticos, a produção portuguesa conheça as dificuldades inerentes a um mercado estreito e demasiado condicionado pela visão 'infanto-juvenil' da BD e pela supremacia franco-belga na oferta e na procura.
.... Estas condições não impediram, porém, o florescimento nas últimas décadas de uma banda desenhada de autor, exigente do ponto de vista gráfico e, em alguns casos, com um arrojo experimental.
.... "Tinta nos Nervos", uma exposição comissariada por Pedro Vieira de Moura, que revisita a produção lusa recente nesta área, mostra precisamente este panorama, construindo uma visão de conjunto largamente satisfatória.
.... Seja pela diversidade de abordagem e sensibilidades estéticas, seja pela real valia de alguns dos participantes, a BD portuguesa aproxima-se nesse particular das restantes artes visuais locais: na ausência de escolas dominantes, ela vive sobretudo da dissonância estética entre as suas personalidades mais vivas.
.... Mostrando pranchas e sequências que salvaguardam as condições narrativas da BD, mas também livros seminais, revistas e fanzines historicamente marcantes e objetos que se aproximam da linguagem gráfica, a exposição tem a enorme vantagem de mostrar esta diversidade através do trabalho de 40 autores.
.... Lado a lado, coexistem trabalhos que valorizam a dimensão social e política (Teresa Câmara Pestana, Miguel Rocha), ou vincam visões da cidade (António Jorge Gonçalves, José Carlos Fernandes), caracterizam os costumes (Pepedelrey) ou comentam a cultura local (Janus, Nuno Sousa, Miguel Carneiro), exibem estilos mais realistas (Marco Mendes), aproximam-se do fantástico (Victor Mesquita, João Maio Pinto), do onírico (Luís Henriques), da abstração (Cátia Serrão) ou especulam sobre as próprias condições gráficas (Jucifer), adotam visões mais literárias (Diniz Conefrey), tiram partido da cor em visões pop (Nuno Saraiva) ou da tonalidade expressionista (Ana Cortesão, André Lemos, Pedro Zamith), com humor (Alice Geirinhas, Carlos Zíngaro) ou pela exploração de subgéneros como a autobiografia (Marcos Farrajota, Paulo Monteiro). Entretanto, há ainda espaço para sinalizar algumas zonas de fronteira com a pintura, pelo campo comum do desenho (Isabel Baraona, Mauro Cerqueira), pela partilha de uma mesma cultura pop e vocação satírica (Eduardo Batarda), ao mesmo tempo que se incluem dois antecedentes (Rafael Bordalo Pinheiro e Carlos Botelho) que ajudam a dar profundidade histórica ao campo.
.... Como imagem de fundo de uma nebulosa tão heteróclita fica uma genérica capacidade de infiltração temática nos mais diversos assuntos e contextos sociais, com uma variedade de abordagens que pode oscilar entre o humor e a metafísica.
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TINTA NOS NERVOS
- BANDA DESENHADA PORTUGUESA
Museu Colecção Berardo
Lisboa, até 27 de março
Tel. 213 612 878
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(*) Volto a chamar a atenção para o facto de o Expresso já estar a cumprir o novo Acordo Ortográfico. Esta e outras palavras, ao longo do texto, já não incluem as consoantes mudas, ou seja, as não pronunciadas pelos falantes portugueses.
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Quem estiver interessado em ver as 21 postagens anteriores deste mesmo tema, em que se inclui um outro recorte de imprensa acerca da exposição de BD sob apreciação, poderá fazê-lo se clicar no item Etiquetas: Críticas e notícias sobre BD na Imprensa, visível aqui por baixo,no rodapé.
1 comentário:
Olha, Lino
Sobre este peditório, dei há tempos. Apenas sugeria ao autor - com ou sem acordo - a alteração do título da peça: em vez de A banda de Cá, que titulasse como A banda alheia. Aglutinação das vogais ou síncope de uma delas, tanto faz. É cacofonia, mas tu entendes...
Um abraço
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