segunda-feira, julho 18, 2016
Entrevistas Antigas a Autores de BD (VIII) - Pitágoras
Depois de ter reproduzido entrevistas que fiz a Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões (Tozé Simões, argumentista de Luís Louro), António Ruivo, António Jorge Gonçalves e Luís Diferr, passo agora a de "Pitágoras", uma promessa da BD em meados da década de oitenta, quando o entrevistei, mas que desapareceu completamente da circulação banda-desenhística, deduzo que totalmente dedicado à sua actividade profissional de arquitecto.
O texto e a entrevista que se segue foi publicada originalmente no suplemento "Tablóide" que coordenei do jornal Diário Popular, na edição de 4 de Janeiro de 1986.
Ilustra a postagem a página em que foi publicada a entrevista e, no reverso, a prancha inicial da banda desenhada "Jon Vitus ou Como Ouvir Stockhausen com a Barriga Cheia"
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A Perspectiva de Um Jovem
Como qualquer forma de arte
a BD serve para distrair
«Pitágoras», ou melhor, Nuno Beirão, estudante de arquitectura, gosta de banda desenhada, considerando-a como prazer momentâneo. Poderá ser mais ou menos intelectualizada, mas o padrão fundamental será o divertimento.
«Pitágoras» foi um pseudónimo que escondeu, durante algum tempo, um jovem autor de banda desenhada. Ele tornou-se bastante conhecido graças a uma produção especialmente significativa entre 1981 e 1984 espalhada por diversos fanzines: «A Margem», «Boletim», «Borrão», «Gazua» (2ª fase), «Hamburguer» (1ª fase), «Ritmo», «Ruptura», «Zorck».
Foi também neste fecundo período que «Pitágoras» atingiu o ponto mais elevado: duas bandas desenhadas suas foram seleccionadas pelos responsáveis da revista Tintin: «Mantenha a Sua Cultura de Pé» foi a que apareceu primeiro (Tintin nº30 -14º ano-5.12.1981); depois, coincidindo exactamente com a «morte» daquela excepcional publicação (nº21-15º ano - 2.10.82), foi a vez de «O Dia dos Túmulos».
É tempo de se desvendar a verdadeira identidade desse tal «Pitágoras». Ei-la:
José Nuno Diniz Cabral Beirão ou, como é da sua preferência, apenas Nuno Beirão. Nasceu a 10 de Junho de 1965, em Torres Novas, mas veio aos três meses para Lisboa. Estuda actualmente na ESBAL.
Mas o quê, e em que ponto do curso é que está?
- Estou no 2º ano de Arquitectura, da Faculdade de Arquitectura de Lisboa.
- Essa Faculdade desligou-se da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL)?
- Não, funcionam na mesma como dantes. De resto, já havia um Departamento de Arquitectura que funcionava separadamente. Finalmente, este ano (1985) oficializaram o curso e passou a chamar-se Faculdade de Arquitectura, incluída na Universidade Técnica.
- Estou esclarecido. Vamos agora falar de Banda Desenhada. É capaz de a definir?
- Suponho que a Banda Desenhada é uma sequência de imagens, eventualmente com a ligação de um texto, que não necessita de contar uma história. Pode ser uma mera divagação contada em imagens. Acima de tudo é uma narração gráfica.
- O que é que a BD significa para si?
- Mais um passatempo do que qualquer outra coisa. Quer dizer: como também faço Pintura, posso comparar. Acho que fazer BD é mais rápido, mais instantâneo, surge mais como um prazer momentâneo.
- Julgo perceber que você dá mais importância à Pintura como realização artística...
- Sim, pois é quase impossível uma pessoa realizar-se artisticamente fazendo BD. Pelo menos em Portugal. De qualquer maneira, essa frase «realização artística» é, em si, quase um paradoxo: uma pessoa, a partir do momento em que se realiza, já não tem necessidade de continuar essa actividade.
- Como é que os seus pais encaram o seu gosto pela Banda Desenhada?
- Eles não ligam muito. Claro que gostam quando lhes digo que ganhei um prémio dum qualquer concurso. Por exemplo, hoje, ficaram contentes quando lhes disse que ia ser entrevistado para um jornal. A coisa mais concreta que poderei dizer é que a minha mãe acha que as minhas bandas desenhadas são muito derrotistas.
- Isso quer dizer que ela as costuma ver/ler? Isso não é muito vulgar nos pais, suponho...
- No meu caso penso que o facto de a minha mãe ter feito pintura, quando era nova, tem influência nesse aspecto.
- Como é que considera o estado actual da banda desenhada?
- Eu acho que o estado da BD está muito caótico, em todos os sentidos. Já agora, para concretizar mais: não só há muitos autores com estilos muito diferentes mas também a BD entrou num campo de vanguardismo e comercialismo que se torna um pouco desmotivante.
- Você queixa-se do tipo de BD vanguardista, mas, no seu caso, você mesmo tem feito experiências nesse estilo. Lembro-me de que numa das vezes em que fiz parte do júri de um dos concursos de BD da ESBAL, você concorreu com uma banda desenhada feita em forma de cubo. Que, aliás, obteve um prémio pela sua originalidade. Como explica esta sua crítica.
- Bom, acho que a b.d. que fiz em forma de cubo era diferente apenas na forma como era apresentada: o texto e as imagens eram para distrair, simplesmente. De qualquer forma, o facto de essa banda desenhada, o «Kubículo», ter sido feita num cubo tinha a ver com o texto: a história passava-se num planeta que tinha a forma de um cubo.
Mas posso ainda acrescentar mais qualquer coisa: eu, de facto, de vez em quando aventuro-me num tipo de BD que não é muito acessível. Mas isso é uma coisa mais pessoal, que faço sem intenção de transmitir qualquer coisa às pessoas. Talvez seja uma «descarga» em forma de banda desenhada...
Já agora, gostava de fazer uma divagação rápida sobre aquilo que eu acho que é a BD. Como qualquer forma de arte, serve para distrair. Claro que pode ser mais ou menos intelectualizada, mas o padrão fundamental será o divertimento. É como o cinema, no fundo. Exemplos: Ingmar Bergman e Steven Spielberg são dois bons realizadores, com estilos completamente diferentes - um muito intelectual, outro cem por cento aventuresco, digamos assim - e ambos podem ser analisados em termos de diversão ou em termos intelectuais.
- Você falou do seu interesse pela pintura, e eu sei que, no ano que agora findou, a sua produção a nível da BD reduziu-se bastante. A pintura teve influência neste facto.
- Em certa medida, sim. Realmente dediquei-me mais à pintura, e isso desviou-me um tanto da BD. Mas mesmo assim participei no Concurso de BD da Associação de Estudantes de Arquitectura, onde obtive o Prémio Originalidade com a tal b.d. «Kubículo».
- Falemos então de concursos de BD: você já concorreu a vários, e obteve sempre bons resultados.
- É verdade. Em 1983, por exemplo, concorri a três: ao 1º Concurso/Exposição da Associação de Estudantes de Arquitectura, onde obtive o Prémio Comunicabilidade com «O Ovo», e também uma Menção Honrosa pela Qualidade Gráfica, com «A Catedral»; ao 1º Concurso Nacional de BD, organizado pela C.M. do Montijo, onde fui distinguido com o 4º Prémio pela minha b.d. «What's Life But a Dream», e ao 2º Concurso do Centro de Difusão de BD de Vila Nova de Tazém (Gouveia), onde ganhei o prémio dedicado ao Melhor Desenho Humorístico, com a b.d. «O Bando dos Chavais».
- E quanto a fazer b.d. sem ser para concursos ou fanzines?
- Comecei em Novembro a colaborar no jornal «Opinião» que é editado pela Associação de Estudantes do Instituto Superior de Economia - I.S.E.. Em todos os números, desde o primeiro (Novº84) têm aparecido «gags» da série «O Ovo» que você já conhece; além disso, começou também a ser publicada a b.d. que aparece agora aqui no «Tablóide».
- Esta b.d. gira à volta de uma curiosa personagem chamada «Jon Vitus». Ocorre-me perguntar: gosta de personagens fixas?
- Não. É preciso ter muita rodagem para fazer isso. E também é preciso uma divulgação muito intensa da série. O facto de os autores portugueses de BD criarem ou não personagens fixas depende do interesse das revistas de BD portuguesas.
- Quer dizer que você acha importante existirem revistas de BD para divulgarem os autores e darem-lhes trabalho...
- Da mesma maneira que são necessárias galerias de arte para divulgarem pintores. Eu faço muita comparação entre a pintura e a BD, pois acho que são artes que se podem equivaler.
- Há algum desenhador português por que tenha admiração?
- Alguns dos desenhadores da «Visão»: Carlos Barradas e Pedro, por exemplo.
- E desenhadores estrangeiros?
- Moebius, Margerin, Franquin e alguns dos clássicos, casos de Uderzo, Hergé e Edgar Pierre Jacobs. Também admiro os clássicos americanos Harold Foster e Alex Raymond. Quanto aos americanos actuais já não me seduzem: estão demasiado ligados a uma produção comercial.
- Há algum herói da BD estrangeira que considere excepcional?
- Astérix.
- Porquê?
- Porque está bem conseguido, não só a nível da personalidade do herói, que é entusiasmante, como a nível de enredo e de todas as personagens secundárias que o rodeiam.
- Para terminar, o que pensa do «Tablóide»?
- Que é uma boa maneira de divulgar autores portugueses.
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Os interessados em ler as entrevistas anteriores (a Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões, António Ruivo, António Jorge Gonçalves, Luís Diferr, Renato Abreu) poderão fazê-lo clicando no item Entrevistas antigas a autores de BD visível no rodapé
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2 comentários:
temos de fazer a revisão dos anos 80...
hahahaha
M
É muito engraçado ler isto outra vez. E passados todos estes anos.
Obrigado pelo post
J. Pitágoras
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