sexta-feira, setembro 21, 2018

Enciclopédia de Banda Desenhada (Parte 3 de 5, 1º post) - Capítulo 3 «Comics» americanos


Chega agora a vez, neste extensíssimo post, de comentar e sintetizar o que os estudiosos ingleses Alan e Laurel Clark historiaram sobre a banda desenhada americana na sua Enciclopédia de Banda Desenhada. Começam eles por focar um aspecto menos conhecido, ou seja, a influência que as "images d'Épinal - páginas (lâminas) de formato tablóide com uma série de vinhetas incluindo desenhos coloridos sequenciais a contar um episódio - tiveram no aparecimento dos comics americanos. Esse pormenor é focado na primeira obra editada nos Estados Unidos pela Humoristic Publishing Company, de Kansas City, Missuri, em 1888. Além desta publicação de exemplo precursor, tem de se incluir Scraps, a versão em língua inglesa de "Max und Moritz", de Wilhelm Busch (1871).
Em fins do século XIX os jornais proliferavam, e alguns deles começaram a publicar uma edição especial aos domingos, tendência iniciada por Joseph Pulitzer no New York World, seguida de imediato por William Randolph Hearst, no New York Journal.
Em "Hogan's Alley", de Richard Felton Outcault (1863-1968) surgiu a primeira personagem dos comics, um garoto que "falava" através de mensagens escritas na sua camisa de noite de cor amarela, tornando-se um grande sucesso do New York World, de Pullitzer. Hearst conseguiu contratar Outcault e publicar a personagem no seu New York Journal, dando-lhe o nome de "The Yellow Kid". Pullitzer, furioso, pôs Hearst em tribunal, criando assim um inédito caso judicial ligado à BD.
Por influência da popularidade alcançada pela página dominical de comics daqueles jornais, o New York Herald começou a publicar a 4 de Maio de 1902 uma nova personagem infantil chamada "Buster Brown", também criada pelo genial Outcault.
Entretanto, Hearst tinha contratado Frederic Burr Opper (1857-1937) criador da personagem "Happy Hooligan", um divertido vagabundo, surgido em Março de 1900. Opper era um adepto das tiras desenhadas, para as quais criou "Alphonse and Gaston" e a mula chamada "Maude".
Rudolph Dirks (1877-1968) nascido na Alemanha, fora viver para Chicago com os pais. Dotado para o desenho, Hearst convida-o a fazer algo parecido com a série alemã "Max und Moritz", de Wilhelm Busch. Dirks corresponde, criando "The Katzenjammer Kids", que se estrearam no suplemento do Journal, o American Humorist, a 12 de Dezembro de 1897. Mais tarde Dirks mudou-se para o New York World, de Pullitzer, levando consigo a série de BD. Hearst pôs o caso em tribunal, e a decisão foi vagamente salomónica: Dirks ficou com os direitos da série, ficando Hearst com as personagens. Dirks teve de mudar o título para "Hans and Fritz" e em seguida para "The Captain and the Kids", série publicada em simultâneo com a de Knerr. Em 1902 foi editado um comic book com uma compilação dos "The Katzenjammer Kids".  



Winsor McCay (1867-1934) iniciou-se na banda desenhada com a série "Dreams of a Rarebit Fiend", de um humor bizarro. O seu fascínio pelos sonhos sobressaiu noutras obras de BD, onde se inclui "Little Sammy Sneeze", culminando na obra prima "Little Nemo in Slumberland", com publicação iniciada a 15 de Outubro de 1905.
Outros creativos da arte sequencial o seguiram, nomeadamente Jimmy Swinnerton, Bud Fisher, George McManus, Elzie Segar, George Herriman, Cliff Sterret, Sydney Smith, Frank King, Harold Gray e Al Capp.
Merecem ser referidos os nomes das séries ou personagens de BD criadas por estes génios. É o caso de "Mutt and Jeff" (de Harry Conway Fisher, aliás Bud Fisher), "Bringing Up Father" (de George McManus), tendo sido muito divulgado em Portugal sob vários títulos, entre os quais "Elevando Papá", inventado por Roussado Pinto, "Popeye" (de Elzie Crisler Segar).

 
É algo injusto fazer sobressair qualquer uma dessas séries ou personagens, mas a notável "Krazy Kat", de George Harriman (1880-1944), merece a excepção. Tendo surgido como convidado noutras histórias, o trio ganhou a sua própria tira diária em 1913, e finalmente uma página inteira de suplemento dominical em 1916. O gato Krazy, o polícia Pup e o rato Ignatz formam um bizarro triângulo, a viver em Coconino County, um lugar imaginário.
Continuando a citar os títulos de personagens ou séries que se tornaram famosas, surgem, sem qualquer ordem: "Polly and her Pals", de Cliff Sterrett (1883-1964) em que Polly foi uma das primeiras mulheres protagonistas de tiras de BD; "Little Orphan Annie", foi criada por Harold Gray (1894-1968), mas após o seu falecimento passou para as mãos de Leonard Starr. Annie, tal como os restantes protagonistas, impressionava pelo facto de os olhos serem desenhados com as órbitas vazias, pormenor gráfico estranho e inédito que quase passava despercebido com as questões sociais e políticas com que Gray enchia os balões de fala, que interessavam os leitores adultos e eram escutadas atentamente pelo cão Sandy; "Gasoline Alley" foi uma criação de Frank King (1883-1969), baseada no sucesso popular do automóvel; para finalizar, registem-se as séries "Joe Palooka", de Ham Fisher (1900-1955) e "Li'l Abner", de Al'Capp (Alfred Gerald Caplin, 1909-1979).        



Em 1926 surgiu a primeira revista de ficção científica do mundo, a "Amazing Series". No número de Agosto de 1928 estreou-se "Armageddon 2419", a impressionante história de Anthony «Buck» Rogers, um homem que dormiu 500 anos e que ao acordar, assiste a uma América dividida pela guerra. O escritor Philip Francis Nowlan, convidado por uma agência (syndicate) aceitou a tarefa de escrever o argumento para a primeira tira diária, no mundo, de ficção científica, que apareceu a 7 de Janeiro de 1929, seguida, um ano depois, pela página de domingo. O artista da obra foi Dick Calkins (1895-1962) que desenhou foguetões, máquinas de guerra, pistolas de raios e outras novidades futuristas.
A série foi cancelada no final dos anos sessenta, e a agência King Features Syndicate lançou na sunday page de 7 de Janeiro de 1934, um novo herói, "Flash Gordon", criado por um mestre da BD (assim o classifico por ter sido criador involuntário de discípulos), Alex Raymond (1909-1956).
Contrariamente a Buck Rogers, Flash Gordon situava-se na actualidade, com o planeta Mongo em rota de colisão com a Terra. Um dos argumentistas da série foi Don Moore, que também escreveu a tira diária desenhada por Austin Briggs, assistente de Raymond. A Briggs sucedeu Mac Raboy, que a desenhou até à sua morte em 1967 (foi com estes desenhos de Raboy que a série se tornou conhecida em Portugal em 1949, na revista Mundo de Aventuras). Flash Gordon, a seguir a Mac Raboy, passou para as mãos de Dan Barry.
Chester Gould (1900-1985) concebeu "Dick Tracy" (inicialmente deu-lhe o nome de "Plainclothes Tracy"), que não agradou às primeiras impressões e ficou à experiência em algumas páginas dominicais, até ter começado a sair em tiras diárias a partir de Outubro de 1931, onde era focado o sub-mundo dos gangsters. A acompanhar o polícia-detective aparecia a sua namorada Tess Trueheart e alguns vilões de aspecto nada convencional, entre os quais Blank, que usava uma máscara sem qualquer traço facial, e, em oposição, um ser de rosto profundamente enrugado chamado Pruneface.
Duas outras séries que iriam constituir enorme êxito surgiram no princípio da década de 1930 - Idade de Ouro da BD -, "Mandrake the Magician" e "The Phantom", ambas criadas por Lee Falk.
"Mandrake", mais as restantes personagens principais, Lothar e Narda, foram desenhadas, a partir de 11 de Junho de 1934, por Phil Davis durante trinta anos, a que sucedeu Fred Frederick.
"Fantasma", que começou a 17 de Fevereiro de 1936, vive na selva, numa gruta em forma de caveira, e teve por desenhador inicial Ray Moore, a que se seguiu Wilson McCoy, depois Bill Lignante e, a partir de 1963, Sy Barry. 

A seguir: Super-Heróis      

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Relembro: Este texto é a parte 3 de 5, dedicado à obra "Comics - Uma História Ilustrada da B.D.", escrita em 1990, única enciclopédia estrangeira (traduzida em 1992) para português.
As duas anteriores partes podem ser visitadas nos links abaixo indicados: 
(1) http://divulgandobd.blogspot.com/2018/05/enciclopedia-de-banda-desenhada-post-1.html

(2) http://divulgandobd.blogspot.com/2018/06/enciclopedia-de-banda-desenhada-post-2.html

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