
http://www.youtube.com/watch?v=QuoXtkta8O8
Inegavelmente, tratou-se de iniciativa sem precedentes na área da televisão portuguesa, o programa VerBD, transmitido pela RTP2 ao longo de cinco domingos, entre 29 de Julho e 26 de Agosto.
Mesmo tendo a noção da restrita audiência que caracteriza o segundo canal da televisão estatal, por se direccionar a uma faixa de público com mais exigências culturais, portanto minoritária, não será exagerado considerar que as cinco partes constitutivas do VerBD - transmitidas cerca das 13h dominicais, e em repetição à noite, a rondar a uma hora da madrugada - terá tido alguns milhares de espectadores, o que se poderá considerar como significativa ressonância pública. Logo, terá sido atingido o possível objectivo dos responsáveis do programa - Pedro Vieira Moura, no papel de entrevistador, e Paulo Seabra, realizador, ambos com trabalho meritório no VerBD, nessas áreas -, que se presume tenha sido o de dar a conhecer algo da Banda Desenhada em Portugal, passado e presente.
O relativo êxito que terá sido supostamente obtido - julgo não haver ainda feedback - pelo programa, não impede que se discorde do critério adoptado pelo seu idealizador, o crítico e bloguista Pedro Vieira Moura, no que concerne à escolha de personalidades do pequeno universo da BD portuguesa para serem entrevistadas.
Embora seja do senso comum a noção de subjectividade que isso envolve, e que reconheço, mas que não impede que, por meu turno, defenda diferente ponto de vista, igualmente subjectivo, admito.
Para quem não viu a totalidade dos cinco programas, ou episódios – ou até para os que, por qualquer motivo, não viram nenhum – vou nomear, pela ordem casual dos meus apontamentos, as individualidades que foram vistas e ouvidas, entre autores, estudiosos, críticos, divulgadores e orientadores de cursos.
Autores: Filipe Abranches, Isabel Carvalho, Pedro Nora, Diniz Conefrey, José Carlos Fernandes, António Jorge Gonçalves, Luís Henriques, André Lemos, Susa Monteiro, Miguel Rocha, David Soares..
Estudiosos, críticos, divulgadores, orientadores/formadores de cursos de BD:
João Paulo Cotrim, António Dias de Deus, Leonardo De Sá, João Paulo Paiva Boléo, José Pedro Cavalheiro-Zepe (professor de BD e Ilustração, também autor de BD), Domingos Isabelinho, João Miguel Lameiras, Geraldes Lino, Marcos Farrajota e Jorge Nesbitt, este último não na condição de crítico ou afim, mas por ser responsável dos cursos de BD e Ilustração do AR.CO - Centro de Arte e Comunicação Visual, e o escritor Diniz Machado, por ter sido director da marcante revista Tintin.
Dirá no fim do ciclo de cinco episódios, Pedro Moura, em "voz off" (logo, sem nunca ser visto, demonstrando louvável modéstia), ao jeito de justificação das ausências: "Gostaríamos de ter mostrado outros autores (…)".
Ora isso teria sido perfeitamente possível com diferente critério, isto é, se não tivessem sido ouvidos, duas e três vezes, em questões diferentes, sempre os mesmos autores, os tais onze referidos no programa, havendo entre eles quem apenas tenha escassíssimas bedês publicadas, portanto nitidamente privilegiados nesse aspecto, em detrimento de muitos outros que ficaram de fora, com obra de maior volume (sem faltar qualidade) e de que aponto apenas os nomes dos que têm tido actividade recente, mesmo que descontínua: Pedro Massano, Zé Paulo, Arlindo Fagundes, José Pires, José Garcês, José Ruy, Santos Costa, Artur Correia, Baptista Mendes e Eugénio Silva, entre os veteranos de prestígio, neles incluindo Jorge Magalhães, que assim seria um argumentista presente, ainda que único (Cotrim também o é, mas não falou nessa qualidade). E, de gerações posteriores, Nuno Saraiva (gritante e inexplicável a sua ausência, quer como talentoso e prolífico autor, quer como fundador do curso de BD no AR.CO e nele professor), Pedro Burgos, Luís Louro, João Amaral, João Fazenda, Rui Lacas, Ricardo Ferrand, Pepedelrey, J.Coelho, Rui Gamito, Estrompa, Horácio, Pedro Morais, J.Mascarenhas, José Lopes, Jorge Mateus, Daniel Lima, Algarvio, Pedro Nogueira, Ricardo Cabral, Miguel Montenegro, Daniel Maia, Eliseu Gouveia-Zeu, além de Álvaro, Rui Ricardo, Pedro Alves, Carlos Rico e Luís Pinto-Coelho, estes últimos cinco inseridos na área da BD humorística e/ou caricatural, sempre injustamente depreciada e ostracizada, e José Abrantes na BD infantil, outro género menosprezado. Mas também imprescindível, em entrevista viável pela internet, Fernando Relvas, um muito importante autor português a residir na Croácia. Entretanto, na área das autoras, apenas houve lugar para duas, Isabel Carvalho e Susa Monteiro, tendo ficado de fora várias outras, concretamente Teresa Câmara Pestana, Alice Geirinhas, Ana Cortesão, Ana Freitas, A.Rechena e Joana Figueiredo-Júcifer.
Pode parecer uma galeria demasiado extensa. Mas, repito, ao longo de cinco episódios houve convidados, entre autores e comentadores, que falaram várias vezes, e, em especial no último,
em que voltaram a ser vistos e ouvidos quase todos os intervenientes. Em vez disso, bem poderia ter sido aproveitado esse derradeiro tempo para mostrar breve imagem do rosto e uma simples vinheta de cada um dos autores-artistas da lista que enunciei. Porque, da forma como foi apresentado o programa, os telespectadores não especialistas poderão ter ficado com a noção errónea de que aqueles onze autores são os únicos a trabalhar, ou os mais importantes na BD portuguesa actual. A galeria (forçosamente incompleta) que apresentei daria imagem mais abrangente, e bem mais justa. Isto porque todos os que citei têm andado a encher, grão a grão, o acervo da actual BD lusa, bem mais volumosa do que pensa muita gente pouco atenta ao que se edita à sua volta, em jornais, nas revistas não especializadas em BD, em álbuns comerciais e institucionais, na internet e nos fanzines.
Na área da crítica e ensaísmo, há pelo menos três estranhas omissões: João Ramalho Santos, autor de textos com notável qualidade e evidentes conhecimentos sobre BD nacional e estrangeira na extinta revista Ler, e presentemente no quinzenário JL-Jornal de Letras Artes e Ideias, o jornalista Carlos Pessoa, autor de vários livros da especialidade, entre outros aqueles onde foram recolhidos os seus numerosos textos sobre heróis da BD publicados no jornal diário Público, Pedro Cleto, que semanalmente assina a rubrica "Aos Quadradinhos" no Jornal de Notícias, e tem escrito frequentes artigos de análise no BD Jornal, e Sara Figueiredo Costa, com interessantes críticas no seu blogue Beco das Imagens e na revista mensal Os Meus Livros. Por outro lado, é bem compreensível que o entrevistador e responsável literário do programa não se tenha incluído neste lote, ele que escreve com lucidez e elevado nível estilístico no seu blogue Ler BD.
Disse mais Pedro Vieira Moura, à laia de justificação, no programa de despedida:
"(…) Há porventura outras perspectivas. Esta foi a nossa.".
É óbvio que assim teria de ser. Só que a selecção de convidados para o programa (e sou insuspeito nesta crítica, visto que também lá consto) aparenta demasiado tratar-se de um círculo fechado, onde, para agravar, há autores que, fora do programa, se costumam assumir mais da área da ilustração do que da banda desenhada.
Mas que fique bem claro: não obstante a componente algo controversa que acabo de focar, há que reconhecer a qualidade global do programa, com excepcionais enquadramentos e pormenores visuais de elevado nível – ambas as facetas por mérito do realizador, Paulo Seabra – e a oportunidade e invulgaridade da iniciativa, bem como algumas ideias brilhantes, a crédito de Moura. Em especial, a que se infere da frase sempre presente no início das transmissões: "Aviso ao telespectador: Não há sincronização entre o som e a imagem nos próximos 24 minutos", o que tinha o mérito de permitir observar o entrevistado em pormenores dinâmicos ou meditativos, enquanto se ia ouvindo a sua fala com nitidez e sem interrupções, por ser gravação. Excelente resultado obtido.
Ainda de relevar, com aplauso, a útil iniciativa da abertura do blogue homónimo, no endereço http://programaverbd.blogspot.com/
que permitia visionar o alinhamento do programa seguinte.
Depois destes indiscutivelmente valiosos, apesar das minhas reticências, cinco programas vezes vinte e cinco minutos – um espaço e um tempo nunca antes conseguidos para a nossa figuração narrativa –, esperemos que haja uma próxima jornada, um VerBD II correspondente a um segundo volume da banda desenhada portuguesa, abarcando então os autores em actividade, agora excluídos.
Assim se fará justa divulgação pública de tantos não contemplados neste primeiro VerBD, apesar de terem obra digna, embora mais em registo mainstream, género aparentemente maldito em alguns círculos elitistas, e quase banido em absoluto deste programa, em favor da bd alternativa cultivada pela maioria dos onze autores ora seleccionados.
Geraldes Lino
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Há um "post" anterior sobre este mesmo tema, com data de Jul.28, 2007. Para o visitar, basta clicar nesta data na coluna "Archives"