quarta-feira, dezembro 24, 2014
Coleccionadores e Colecções de BD (XIII) - José Alberto Varandas
Após longo interregno, volto à tarefa de reproduzir as entrevistas que fiz na década de 1980 a vários coleccionadores de BD, para uma revista intitulada Coleccionando que se editava em Lisboa.
Apesar de terem passado quase trinta anos, creio que os textos destas entrevistas interessarão os veteranos apreciadores de banda desenhada, os quais reconhecerão as revistas citadas pelo coleccionador entrevistado, José Alberto Varandas, e saberão fazer a equivalência ao euro dos preços mencionados em escudos, bem como ter em consideração a época em que ele adquiriu as valiosas colecções.
Na reprodução das capas de algumas das revistas citadas por José Alberto Varandas, optei por mostrar capas (ou primeiras páginas) que se coadunassem com a época natalícia que atravessamos. Aproveitei o facto de ter numerosos exemplares repetidos e não encadernados para poder reproduzi-los.
Transcrevo seguidamente o texto introdutório e as perguntas e respostas constantes da entrevista, a fim de facilitar a leitura.
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Com o «Cavaleiro Andante»
'vivi' grandes aventuras
- afirma José Alberto Varandas
Nascido em Lisboa a 1 de Março de 1952, Maquinista Técnico dos Caminhos de Ferro Portugueses, José Alberto Varandas é um entusiástico coleccionador de Banda Desenhada; é também grande apaixonado pelo Desenho e Pintura.
Em relação ao Desenho (quer de BD, quer de Ilustração), apenas conseguiu publicar coisa pouca até hoje - duas páginas de BD no fanzine do CPBD, o "Boletim" (nº41, Jan./Fev. 83), e uma capa para o nº50 (Maio/Jun.84) da mesma publicação. Isto numa altura em que, conforme ele próprio afirma, já mal se lembrava como pegar num lápis...
No que sempre tem mantido grande empenho é na recolha de tudo o que foi publicado em Portugal, no campo das revistas infanto-juvenis.
Vamos portanto registar as respostas e opiniões deste coleccionador.
- Varandas: em que altura da sua vida começou a coleccionar revistas de BD?
- Comecei quando tinha seis anos. Na altura o meu pai deu-me alguns exemplares do João Ratão, e o nº 554 do Mundo de Aventuras, que guardei durante muitos anos, assim como muitas outras que lhe eram paralelas.
Infelizmente desfiz-me de todas, só voltando a adquiri-las novamente a partir dos anos setenta.
- Por que é que se desfez dessas colecções de que, naturalmente, gostava bastante?
- Geralmente todos os jovens o fazem, a fim de conseguir dinheiro para outros objectivos!
- Das revistas que coleccionava nessa fase, qual a que tem maior significado para si?
- Com oito anos consegui comprar regularmente o Cavaleiro Andante, e foi esta a revista que maior significado teve na minha vida de jovem coleccionador.
Nela li e "vivi" grandes aventuras.
Para exemplo: lembra-se da "Peregrinação", desenhada por José Ruy? Ainda hoje recordo o episódio da espingarda e do Príncipe Japonês, ou das belas páginas de "Através do Deserto", de José Garcês.
- O que é que o impressionou assim tanto nessa tal cena da "Peregrinação"?
- A expectativa de ver aquilo que ia acontecer, resultante do contacto do jovem com a arma. Como sabe, esse episódio é histórico, e mostra a introdução da espingarda no Japão.
- Isso quer dizer que, através da Banda Desenhada, o jovem que você era então, aprendeu alguma coisa da nossa História...
- Disso não tenho dúvidas. Mas o mais positivo foi o prazer da aventura pura e simples, aquela aventura que se gostaria de viver, mesmo que fosse só em imaginação.
- Voltando ao coleccionismo: quais as colecções portuguesas que tem completas, ou, pelo menos, com significativo número de exemplares?
- Tenho neste momento várias colecções completas. Desde o Jornal da Infância (1883), passando pelo Gafanhoto (a primeira com este título, de 1903) e por outras também bastante importantes: Mundo de Aventuras, Cavaleiro Andante (e álbuns respectivos), Zorro, Falcão, Pardal, Flecha, Pisca-Pisca, Titã, Antologia dos Romances Célebres.
Tenho mais, mas com algumas faltas, como é o caso do Faísca, Alvo, Pirilau, Condor Mensal, Camarada, Lusitas e Fagulha, para só falar das mais importantes.
- Então diga lá algumas que considere menos importantes, e que tenha completas.
- Repare que eu, ao falar de revistas importantes, estou-me a referir à raridade e não ao conteúdo.
Por exemplo, tenho o Jornal do Cuto que, no que se refere à qualidade, conseguiu reeditar muita da boa Banda Desenhada Clássica. Foi uma boa revista.
Outra que posso mencionar é o Jornal da BD, a mais recente publicação do género.
- Entre as que considera importantes não menciona o Diabrete.
Não tem nada desta revista?
- Olhe, ainda esta semana comprei setecentos números, que vendi em seguida.
- Mas porquê? Se comprou, é porque a colecção lhe interessava...
- Realmente interessava-me muito, mas fiquei de tal maneira desiludido, que me desfiz dela logo.
Aliás, o que já me acontece pela segunda vez.
- Mas explique-me lá o motivo de ter ficado tão desiludido. Desagradou-lhe o conteúdo da revista? Estava à espera de outra coisa?
- Não. Aliás o Diabrete tem excelentes coisas publicadas, quanto mais não fosse só pelos trabalhos de Fernando Bento e Vítor Péon, por exemplo.
O problema foi que eu estava convencido que tinha comprado 822 números, e afinal eram só 696!
- E que tal era o estado das revistas?
- Muito bom.
- Posso perguntar-lhe por quanto é que tinha comprado esse, apesar de incompleto, belo lote?
- Foi a 30$00 cada revista, ou seja, 24 mil escudos.
- Então quer dizer que foi enganado... Fazendo as contas à quantidade que comprou e ao preço por exemplar, o lote não custaria tanto.
E diga lá por quanto é que vendeu, já agora.
- Você sabe que eu muitas vezes faço pequenos negócios, sempre com o objectivo de melhorar as minhas colecções.
- Estou a entender... Mudemos de assunto, então.
Entre as colecções que possui, mesmo incompletas, qual a que considera mais valiosa quanto à raridade e conteúdo?
- Bem, a colecção que considero mais valiosa, e que tenho completa, é sem dúvida O Mosquito. É muito difícil conseguir esta revista na totalidade dos 1412 números. Também quanto ao conteúdo estão nela as mais belas páginas que se desenharam em Portugal.
- Qual a revista de BD mais antiga que possui?
- É o Jornal da Infância, de 1883. Mas todos os dias podem surgir verdadeiras raridades.
Por exemplo: A Arca de Noé, jornal infantil da União Zoófila, datada de 1953, de que tenho alguns exemplares, é uma raridade. Eu, pelo menos, assim o considero, pois não conheço ninguém que os tenha.
- Quantos exemplares é que tem, afinal?
- Só tenho quatro, dois números um, e dois números dois, mas que têm datas e formatos diferentes.
Suponho que deve ter havido duas tentativas de lnçar a revista que, aliás, era de distribuição gratuita pelas Escolas.
- Entre as suas colecções, qual a que lhe deu, ou está a dar, mais dificuldade em completar?
- Tive grande dificuldade em completar a colecção do Pardal, revista que saiu em 1961, e que só tem vinte números! Durante sete anos tentei, e não consegui, completá-la.
Por sorte, acabei por adquirir, posteriormente, uma colecção completa.
- Está neste momento a coleccionar alguma revista de BD?
- Continuo a tentar completar as colecções com faltas. Mas, claro, quando sai uma nova revista portuguesa, estou pronto a coleccioná-la.
- Qual a que coleccionou, acompanhando-a no momento da publicação?
- Acompanhei a publicação do Cavaleiro Andante, Mundo de Aventuras e Zorro.
- Tem alguma recordação especial ligada a qualquer das revistas que possui?
- Tenho várias recordações, algumas bem especiais, ligadas à minha vida de coleccionador.
Por exemplo: quando me faltavam apenas cinco números de O Mosquito (1ª Série), um grande coleccionador da nossa praça teve a gentileza de mos oferecer. O nome dispensa comentários: Bana e Costa.
- Terá havido na sua infância ou adolescência (até pode ter sido recentemente), uma fase em que, num certo dia da semana, ia à rua de propósito para comprar uma revista.
Ocorre-lhe qualquer recordação ligada a essa fase?
- Quando se publicava o Cavaleiro Andante, ia de propósito comprá-lo a um jornaleiro que vendia à esquina da Rua da Bica do Sapato com a Rua Diogo Couto, perto do Chafariz, junto ao muro do Lavadouro Público.
Já desapareceram o jornaleiro, o chafariz e o lavadouro público.
- Onde é que ficava isso?
- Perto de Santa Apolónia.
- Qual o preço mais elevado que pagou por uma peça portuguesa, ou de outra qualquer nacionalidade?
- Paguei muito recentemente pelo nº 357 do Senhor Doutor o valor de seis vezes o preço de um bilhete de cinema.
É preciso ver que só me faltava este número na minha colecção!
O alfarrabista Martinho tinha-o num lote de 350 números, e só ao fim de várias semanas o consegui obter. E mesmo assim, com a ajuda do nosso Grande Amigo A. J. Ferreira, que fez a sua força para convencer o homem.
- Colecciona álbuns de BD?
- Colecciono quase todos os álbuns que vão sendo publicados.
Os mais antigos que tenho são os que foram publicados por O Mosquito, Camarada, os da Editora Íbis, etc.
- Segue algum critério nessas colecções?
- Dou especial atenção às personagens, deixando para segundo plano os autores.
- E quais são as personagens?
- Há várias. "Blueberry", "Corto Maltese", de que gosto muito. Mas tenho preferência especial pelos clássicos: "Flash Gordon", "Tarzan", "Cisco Kid" e outros.
- Colecciona mais alguma coisa?
- Colecciono várias outras coisas.
Por exemplo: cadernetas de cromos, de que tenho vários exemplares desde os anos trinta até aos nossos dias, algumas de rara beleza e que são verdadeiras bandas desenhadas.
Colecciono também brinquedos antigos, de folha, e de preferência mecânicos.
E outras pequenas coisas, tais como soldados de recortar e construções, livros infantis ilustrados, selos, moedas, emblemas e postais.
- Quais são essas colecções de cromos que considera autênticas bandas desenhadas?
- Principalmente as feitas por Carlos Alberto: a História de Portugal, a História de Lisboa e aquelas sobre personagens históricas.
- Conte um episódio pitoresco na sua actividade de coleccionador de BD.
- Tenho muitos episódios pitorescos ligados às colecções de BD.
Uma vez o Carlos Gonçalves deu-se ao trabalho de publicar na página de BD do Correio da Manhã a minha lista de faltas de O Mosquito, onde eu tinha desenhado os "mosquitos" que me faltavam com os respectivos números na camisola.
- Tem alguma recordação triste relacionada com as suas colecções?
- Posso dizer que fiquei muito triste quando dispensei a colecção do Grilo ao Raul Ribeiro, embora eu tenha nessa altura posto a espada no prato da balança.
- E alguma muito agradável?
- Olhe, quando encontrei o emblema de O Mosquito. Foi um momento muito especial para mim. Devo ser o único coleccionador de BD que tem este emblema.
- Qual o destino que prevê, ou que desejaria, para as suas colecções?
- Só o futuro poderá dizer alguma coisa, mas o meu grande sonho seria fundar um pequeno museu onde figurassem todas as minhas colecções, e que estão de uma maneira geral ligadas à infância.
- O que acharia ideal para que fossem preservadas as colecções que existem em poder de particulares?
- A maior parte das nossas bibliotecas não têm estudo e consulta de colecções que têm sido publicadas em Portugal. Fico na dúvida se estaria certo recolhê-las em bibliotecas... Neste momento, estando nas mãos de coleccionadores ciosos, estão preservadas.
- Qual a influência para a BD resultante da existência de coleccionadores?
- Os coleccionadores são consumidores exigentes po excelência.
Deveriam pelo menos influenciar a consciência dos produtores de Banda Desenhada e fazê-la cada vez mais cuidada, para uso e abuso dos mesmos.
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Imagens que ilustram esta postagem, de cima para baixo:
1. Jornal do Cuto (Nº 172 - 1 Dezembro 1977 - Lisboa) - Capa (não assinada) ilustrada por Carlos Alberto
2. O Pirilau (nº4 - Dezembro 1963 - Lisboa) - Capa de F. Ramos
3. Titã (Nº 11 - 21 Dezembro 1954 - Lisboa) - Capa com ilustração assinada por Hal Foster
4. Cavaleiro Andante (Número Especial de Natal de 1953 - Lisboa) - Capa com ilustração de Fernando Bento
5. O Mosquito (Nº 1200 - 23 Dezembro 1950 -Lisboa) - Capa (não assinada) com ilustração de Eduardo Teixeira Coelho
6. O Gafanhoto (Nº 3 - 25 Dezembro 1948 - Lisboa) - Capa (não assinada) talvez montagem de Tiotónio
7. Camarada (Nº 27 - 25 Dezembro 1948) - Capa com ilustração assinada por Júlio Gil
8. Diabrete (Nºs 363-364* Natal de 1946 - Lisboa) - Capa com ilustração de Fernando Bento
*Uma curiosidade: este número é considerado duplo
9. Pluto (Nº 5 - 25 Dezembro 1945 - Lisboa) - Capa (não assinada) com ilustração de Vítor Péon
10. O Papagaio (Nº 454 - 23 Dezembro 1943) - Capa de Rudy
11. Faísca (Nº 42 - 25 Dezembro 1942 - Lisboa) - Capa (não assinada) provavelmente de António Barata
12. ABCzinho (Nº 5 - Dezembro 1921) - Capa (não assinada), provavelmente de Cottinelli Telmo
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