quarta-feira, março 30, 2016
José Garcês - Homenagem
José Garcês é um clássico da BD portuguesa, com uma obra copiosa publicada em grande parte das antigas revistas de banda desenhada, bem como em numerosos álbuns.
A sua produção cobre um vasto leque de temas, entre os quais se encontram adaptações de obras literárias, biografias de figuras históricas, aproveitamento de factos da História de Portugal, figurações narrativas sobre a vida de animais, de cidades portuguesas... Fez também construções de armar e até uma colecção de cromos. Uma trajectória artística bem diversificada, onde se destaca um estilo delicado e harmonioso.
Tem tido justas consagrações, e mais uma vez será hoje homenageado num colóquio, na Biblioteca Nacional de Portugal, pelas 17h30, onde haverá dois oradores: o seu homólogo José Ruy e o especialista em BD Martinó de Azevedo Coutinho.
Tema de José Ruy: "José Garcês e a sua arte na revista "O Mosquito".
Tema de Martinó Coutinho: "José Garcês e a sua vocação na Banda Desenhada"
Hora: 17h30
Local:
Biblioteca Nacional de Portugal
Campo Grande, 83
Lisboa
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JOSÉ GARCÊS
Síntese biobibliográfica
José dos Santos Garcês, Lisboa, 23 de Julho de 1928.
Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio, onde fez o curso de Artes Gráficas.
Iniciou-se na Banda Desenhada em 1946 no jornal infanto-juvenil O Mosquito. Para lá fez "O Inferno Verde", a sua primeira bd aos dezoito anos, tendo posteriormente colaborado em O Papagaio e no Camarada. Encontramo-lo também na Fagulha, revista infantil editada entre 1958 e 1974, preenchida por muitas bandas desenhadas e colaborações literárias cuja autoria, em ambas as vertentes, era feminina na sua maioria, e intencionalmente projectada para leitura das raparigas.
Mas também houve alguns autores a colaborarem, José Garcês, foi um deles, embora quase sempre sob argumentos escritos por mulheres, o que prova a forte influência feminina na revista.
Nessas condições, lá se encontram numerosas histórias suas - chega a haver duas em publicação simultânea! -, como seja "O Camaroeiro Real" (com Isabel Falcão a escrever o argumento), "O Elefante Branco" (sendo o argumento assinado por Madressilva), "A Grande Caçada" (no argumento, Maria Clara Tavares da Silva), "O Terror da Floresta", história escrita por Teresa Sampaio.
Esta copiosa produção que comporta várias bandas desenhadas no género animalista, acontece em paralelo com bedês suas no período 1952/61 para o Cavaleiro Andante, publicação periódica que marca toda uma vasta camada de leitores, onde é mostrada uma das suas importantes obras de carácter histórico intitulada "Viriato".
Aliás, neste género se baseia grande parte da sua carreira na BD, bem como na adaptação de obras literárias, caso de "Eurico, o Presbítero", de Alexandre Herculano, que fez para o suplemento Joaninha da revista Modas e Bordados. Afora as já citadas publicações com colaboração sua, há que acrescentar outros títulos: Lusitas, Girassol, Titã, Falcão, Zorro, Pisca-Pisca, Mundo de Aventuras, Tintin, Fungagá da Bicharada, Selecções BD (2ª série).
Também se encontra trabalho seu em suplementos de jornais, em fanzines e obras várias. Nos primeiros, além do já mencionado Joaninha, passou igualmente pelo Pim-Pam-Pum, acompanhante infantil do jornal O Século, pelo Pirilim (1979/80), suplemento de O Comércio do Porto e pelo suplemento/revista Notícias Magazine, englobado nos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias, tendo entre vários outros autores, criado um episódio para a personagem "Maria Jornalista".
Nos fanzines, teve o mérito de ter sido faneditor, em 1944, de O Melro, um fanzine avant la lettre, ou seja, quando entre nós ainda se desconhecia o conceito, autorizou a publicação de obras antigas suas nesses magazines amadores, pelo que nesse quadrante se encontra representado no Almada BD Fanzine e Cadernos Sobreda BD. Em 2007 voltou a colaborar num fanzine, o Efeméride, com um episódio curto, de prancha única, dedicado ao Príncipe Valente.
No capítulo das obras várias merece relevo o episódio "Os Argonautas", em seis pranchas a cores e alguma carga erótica na obra colectiva "Vasco Granja... 1000 Imagens", editada em 2003, onde introduz como personagens, além do homenageado, José Ruy e Machado Diniz.
Em álbum, é logo no início dos anos 1960 que, pela primeira vez, obra sua aparece. Tratou-se de volume colectivo, acompanhado por Baptista Mendes, Hernâni Lopes, José Antunes, José Ruy, Manuel Ferreira e Victor Paiva, sob o título genérico "Grandes Portugueses". A sua colaboração restringe-se ao primeiro de dois tomos, nela tendo desenhado seis episódios de uma só prancha dedicados a personagens históricas: Viriato, Infante D. Henrique, Serpa Pinto, entre outras. Cerca de vinte anos mais tarde, em 1983, a Editorial Futura recupera para álbum uma sua antiga adaptação literária de obra de Alexandre Herculano à BD, "Eurico o Presbítero".
Entre 1986 e 1989, sob texto de A. do Carmo Reis, desenha a sua obra de maior fôlego (quatro volumes) a "História de Portugal".
Sucessivamente, Garcês foi realizando sozinho ou trabalhando com argumentista, uma longa série de obras de BD publicadas em álbum.
De 1988 até hoje os títulos sucedem-se: "Bartolomeu Dias", "O Tambor/A Embaixada", "Cristóvão Colombo Agente Secreto de João II" (dois tomos), "D. João V - Uma Vida Romântica", "História do Jardim Zoológico de Lisboa em Banda Desenhada", "História da Guarda-Oitocentos Anos de Cidade", "História de Oliveira do Hospital-Povo Valoroso Passado Heróico", "História do Porto em BD", "História de Ourém", História de Pinhel", "História de Faro em BD", "O Lince Ibérico".
Foi feita no corrente ano de 2015 a reedição em fanálbum pelo GICAV da obra "Viriato", publicada originalmente na revista infanto-juvenil Cavaleiro Andante nos anos 1952-53. O lançamento da peça teve lugar na inauguração em Viseu da exposição "Viriato na BD".
Na área das exposições, Garcês tem tido a sua obra aproveitada com frequência.
Em 1980 houve uma mostra intitulada Alabastros Medievais Ingleses, baseada num estudo gráfico de sua autoria, seguida da mostra "A Música no Século XV", e participou na XVII Exposição Europeia de Arte Ciência e Cultura.
Em 1999 foi-lhe dedicada uma exposição retrospectiva na Galeria Municipal Artur Bual. Em 2002, em consequência dessa homenagem, foi editada uma monografia sob o título "As Fases Diversas", escrita pela dupla de estudiosos Leonardo De Sá e António Dias de Deus.
Em 2005 o Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem - CNBDI da Amadora organizou a exposição "Desenhar a Música" - que teve direito a catálogo -, evento que se repete em Novembro de 2015 na Biblioteca Municipal D. Dinis em Odivelas.
Voltando ao capítulo editorial, está em vias de edição "A História de Silves em BD".
Geraldes Lino
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Os interessados em ver textos anteriores da rubrica "Colóquios sobre obras e autores de BD", podem fazê-lo clicando no respectivo item visível em rodapé
segunda-feira, março 28, 2016
Entrevistas Antigas a Autores de BD (VII) - Renato Abreu
Continuo a reproduzir entrevistas que fiz há muitos anos a novos (na época, claro)autores portugueses de BD. Acho interessante constatar, em várias passagens das respostas deles, quão actuais elas se mantêm, infelizmente, na maior parte dos casos. Embora, claro, com algumas alterações mais positivas.
Cabe a vez à entrevista com Renato Abreu, publicada originalmente no jornal (já desaparecido, como vários outros) Diário Popular, no seu suplemento "Tablóide" nº13, de 21 de Dezembro de 1985.
(Ilustra o post: Reprodução da entrevista e 1ª prancha da bd)
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Revistas de BD
- Que autores, que mercado
RENATO ABREU - O GRAFISTA QUE SE APRESENTA AQUI - AFLORA ESTE PROBLEMA FAZENDO UMA COMPARAÇÃO COM O PANORAMA DO PAÍS VIZINHO. DIZ ELE: «EM ESPANHA HÁ MUITAS REVISTAS QUE VÃO DIVULGANDO OS AUTORES. ISSO FUNCIONA COMO UMA PROSPECÇÃO DE MERCADO. DEPOIS OS AUTORES MAIS POPULARES SÃO EDITADOS EM ÁLBUM.»
A ILAÇÃO FICA EVIDENTE: NÃO É ISSO O QUE SE PASSA EM PORTUGAL, E ESSA SERIA UMA DAS RAZÕES PARA O DECLÍNIO DA BD PORTUGUESA.
Renato Abreu não é pessoa de muitas falas; mas quando o assunto lhe interessa verdadeiramente torna-se mais loquaz. Tem um ar pachorrento, raramente acelera o passo, o seu riso é breve. As bandas desenhadas que faz completam talvez a sua personalidade: predominam as manchas negras, compostas num estilo anguloso e agreste. É nesse tipo de composição, de figuras estilizadas, que este grafista invulgar gosta de se expressar plasticamente.
Renato Lima Simões e Abreu nasceu em Lisboa, e fará vinte e nove anos amanhã. Frequentou o 1º ano de Antropologia, no Instituto Superior de Ciências Políticas. Passou pelo IADE, onde participou num curso de Banda Desenhada,orientado por Vítor Péon, e num outro de Artes Gráficas e Arquitectura de Interiores. Também frequentou os «ateliers» de pintura e desenho do AR.CO.
Entretanto, para subsistir, trabalha em «part-time» numa torrefacção. Quase será desnecessário acrescentar que a sua actividade profissional não tem a mínima relação com a iniciação artística que possui. Para compensar, utiliza os seus tempos livres a desenhar. Neste momento, por exemplo, está a fazer em banda desenhada uma lenda moçambicana para o «África Jornal». Título: «Alaliya».
E como se está a falar de banda desenhada, peço a Renato Abreu que a defina.
- Banda Desenhada: conjunto de desenhos, com uma certa sequência, contando uma história que obedece a um guião.
- E para si, pessoalmente, o que é que significa?
- É mais do que um passatempo. Mas é-me difícil explicar. Gosto bastante daquilo que faço, dos desenhos, de explorar formas, dividir o espaço numa folha de papel branco, separar as manchas brancas...
Eu vejo muito a BD nesse aspecto: conseguir essa separação das manchas, os contrastes, dar-lhes um certo ritmo, uma estética agradável, pô-las de forma a dar-me prazer. É por isso que,por vezes, as formas que eu faço não têm nada a ver com desenho realista.
- Você agora está a fazer uma banda desenhada para um jornal. Será isso um sintoma de que o público está a demonstrar mais interesse pela BD?
- Acho que não. A prova é que as boas revistas de BD que temos cá, como é o caso de «O Mosquito», vendem-se pouco. Até mesmo os álbuns, que há aí à venda, não têm grande saída. Por exemplo: aquele da Meribérica, a «Scarlett Dream», tem um óptimo desenho e vendeu-se pouco. Não há mesmo esperanças de se acabar a série, por falta de interesse do público.
- Bem, mas isso também tem a ver com as preferências dos apreciadores de BD. Sabe muito bem que o «Astérix», o «Lucky Luke», o «Michel Vaillant», o «Incal», o «Torpedo 1936», e até aqueles álbuns brasileiros com as aventuras de «Tintin» são êxitos de vendas. E posso dizer-lhe que nas cartas que chegam ao Suplemento BD («Jornal da BD»), a «Scarlett Dream» é das séries menos apreciadas...
- São gostos. Mas há outra coisa: quem é que incentivou o gosto pelo «Astérix», e até pelo «Corto Maltese» de Hugo Pratt? Foram revistas como o «Tintin», que teve uma longa vida. Foram catorze anos sempre a martelar nas histórias do «Tintin», do «Astérix» e no «Corto Maltese», neste caso menos tempo.
- Mas voltando ao princípio da questão: você não admite que as perspectivas em relação à BD possam vir a melhorar?
- Acho que não, absolutamente. O ambiente está muito morto. Isso vê-se pelas poucas revistas actualmente existentes: «Mosquito», «Mundo de Aventuras» e «Jornal da BD», estas duas com péssima qualidade de impressão, agravadas no M.A. pelo formato, demasiado pequeno.
No estrangeiro, por exemplo em Espanha, há muitas revistas que vão divulgando os autores. Isso funciona com uma prospecção de mercado. Depois, os autores mais populares são editados em álbum Em resumo, o que eu quero dizer é que o facto de haver poucas revistas não favorece o desenvolvimento da BD em Portugal.
- Concordo com essa opinião. Eu próprio costumo afirmar que as revistas de BD são muito importantes para a divulgação inicial das séries e dos autores. Mas, infelizmente, essa sequência lógica está a alterar-se em Portugal: o público, mesmo os jovens, começam a preferir comprar apenas os álbuns, e não apoiam as revistas. Isso, no futuro, dificultará ainda mais o aparecimento de novos valores... As editoras não se arriscarão a editar álbuns (que exigem elevado investimento) com obras de autores desconhecidos.
Mas, de há uns anos a esta parte, tem-se verificado aumento de interesse dos jornais pela BD. Você, por exemplo, está neste momento a beneficiar disso, não é verdade?
- Sim, de facto estou agora a colaborar no «África Jornal» com uma banda desenhada intitulada «Alaliya».
- E o que é que já publicou em revistas?
- Em 1984 colaborei na revista de «Campismo e Caravanismo», fazendo capas e ilustrações. Em «O Mosquito», além de ilustrações para um conto de A.J.Ferreira (M. nº10 - Nov.85) foi reproduzida (Março 85 - M. nº6) a minha bd intitulada «Luz» (que tinha sido o 1º Prémio do concurso do «Insecticida» (suplemento de «o Mosquito»). Num outro concurso (da ESBAL, este ano) obtive uma menção honrosa.
- Além desses concursos feitos cá, você também já concorreu a iniciativas congéneres realizadas no estrangeiro.
- Sim. Participei, com desenhos humorísticos, num concurso realizado em Anglet (França), mas não fui premiado. Fui mais feliz na VIII Exposição Internacional de Desenho Humorístico Desportivo em Ancona (Riviera del Conero): obtive o 4º lugar na especialidade «Caricatura».
- Voltando à banda desenhada: um dos aspectos mais populares são as personagens fixas. Você pensa vir a criar algo no género?
- Não. Enfim... um indivíduo, em BD, tem de tentar tudo. Por isso estou agora a trabalhar numa personagem «Daniel Crime». É um policial surrealista, cheio de «nonsense».
- Mas se não gosta de fazer «heróis» fixos, o que é que o levou a criar «Daniel Crime»?
- É uma experiência apenas, gosto de brincar. Eventualmente poderá vir a ser publicado...
- Dentro do estilo que prefere, pensa, no futuro, trabalhar em temas portugueses?
- No futuro e no presente é o que eu faço sempre.
- Mas «Alalyia», que você está agora a fazer, é um tema africano...
- É verdade. Mais concretamente, moçambicano.
- Foi uma excepção?
- Foi uma exigência do jornal: fazer uma b.d. sobre temas africanos, que tivesse algo a ver com Moçambique, Angola ou qualquer outro país africano de expressão portuguesa, visto que o jornal é feito cá.
- A propósito de cá: há algum desenhador português que mereça a sua admiração?
- Há vários de quem eu gosto, mas admiração - e eu entendo que ter admiração por alguém, neste caso, é gostar de o imitar - não tenho por nenhum. Mas posso citar Fernando Bento entre esses muitos autores de que gosto.
- E entre os estrangeiros?
- Oswald, Muñoz, Breccia, J.C.Forest, Franco Saudelli, entre muitos.
- Algum dele teve influência no seu estilo?
- Talvez Breccia (com «Mort Cinder») e também Muñoz.
- Quanto a heróis: há algum que considere excepcional?
- O «Rato Mickey».
- Porquê?
- Pela sua longevidade.
- Há algum tema que o atraia em especial para adaptar à banda desenhada?
- Ainda não pensei a sério nisso.
- O que pensa do «Tablóide»?
- Acho que é uma iniciativa única, que deveria ter companhia noutros jornais.
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Os interessados em ler as entrevistas anteriores (a Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões, António Ruivo, António Jorge Gonçalves, Luís Diferr) poderão fazê-lo clicando no item Entrevistas antigas a autores de BD visível no rodapé
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