segunda-feira, junho 17, 2013

Coleccionadores e Colecções de BD (IX) - Raul Ribeiro



















Para quem tiver curiosidade em seguir este conjunto de entrevistas a coleccionadores de banda desenhada, alerto para o facto de se tratar de pessoas que na década de 1980 - época em que as entrevistei - eram todas bem conhecidas nos meios afectos à BD.

Mas, hoje em dia, os nomes de algumas dessas pessoas nada dirão aos bedéfilos mais novos. É o caso de Raul Ribeiro, coleccionador em foco desta vez na presente rubrica, por onde já passaram nomes bem importantes no coleccionismo e estudo da BD, nomeadamente A.J.Ferreira, António Dias de Deus, Vasco Granja e Carlos Gonçalves.

Passo a reproduzir a entrevista com Raul Ribeiro, na íntegra, tal como foi publicada na revista Coleccionando (Nº 1 - 2ª Série - Novembro de 1985).
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Na Feira da Ladra, no meio do chão com coleccionadores a rondarem

- eis como Raul Ribeiro obteve uma raridade da BD

Raul Gomes Ribeiro é, entre os aficionados da BD, um dos mais conhecidos coleccionadores. 

Nascido em Castelo Branco, a 22-10-1946, possui como habilitações literárias o Curso Geral de Comércio. Exerce, há bastantes anos, a profissão de funcionário bancário, tendo atingido uma confortável posição na importante instituição onde trabalha.

Activo participante em torneios de problemas policiários, em que tem obtido classificações de destaque, é também autor de problemas deste tipo. No que se refere à banda desenhada, ele foi, desde muito cedo, um entusiasta. 

Além de leitor e coleccionador, tem sido destacado concorrente de testes sobre BD, além de ser autor de diversos textos espalhados por publicações e rubricas especializadas.

O seu nome apareceu a assinar artigos de estudonas revistas "Selecções Mistério", "XYZ Magazine", "Mundo de Aventuras", nos suplementos "Banda Desenhada" (do extinto semanário "O País"), e "Correio da Banda Desenhada" ("Correio da Manhã").

Este é, a traços largos, Raul Ribeiro. Vejamos agora, em pormenor, a sua faceta de coleccionador nesta especialidade.

- Raul Ribeiro: quando começaste a coleccionar revistas de banda desenhada?

- Foi há cerca de trinta anos, quando uma familiar minha, que trabalhava na Editorial Fomento de Publicações, Lda., me ofereceu as colecções completas das revistas "Titã", "Flecha", e os respectivos álbuns.
É evidente que essas e outras colecções se perderam na voragem do tempo, com trocas e empréstimos.
Há cerca de oito anos recomecei a coleccionar, desta vez a sério e, de então para cá, já comprei muitos milhares de revistas.

- O CPBD tem exactamente oito anos de existência. Há alguma relação entre esta coincidência de datas?

- Há. Como sabes, eu sou sócio-fundador do CPBD. Na altura em que o clube se fundou, em 1976, eu já tinha recuperado muitos exemplares de revistas que tinha possuído em tempos.
Mas não estava ainda metido a fundo nessa recuperação, sempre difícil e morosa. O contacto com alguns sócios do CPBD, grandes coleccionadores, deu-me um grande alento, e voltei a entusiasmar-me profundamente.

- Quais as colecções que tens completas?

- São muitas, mas acho que só vale a pena referir as mais importantes: "O Mosquito", "Condor Mensal", "Mundo de Aventuras", "Diabrete", "Cavaleiro Andante", "Álbuns do Cavaleiro Andante", "Zorro", "Tintin", "Titã", "Flecha".

- E estrangeiras?

- Não colecciono revistas estrangeiras.  

- Porquê?

- O meu parco conhecimento de línguas não me permite ler, com facilidade, revistas francesas ou americanas. E não me interessa acumular revistas, se não puder ter o gozo de as ler. Só ver os desenhos não é suficiente para mim.

- Mas há revistas espanholas de BD muito boas. E não é difícil ler castelhano.

- Sim, de facto já seria mais fácil. Mas são caras e, além disso, não tenho espaço. Já estiveste em minha casa, e viste bem que está tudo cheio.
Por isso optei por coleccionar apenas revistas portuguesas. E só a partir de "O Mosquito" para cá. Tanto assim é, que já vendi a colecção quase completa do "Tic-Tac" - duzentos e tal números - a outro coleccionador, exactamente porque essa publicação é anterior ao "Mosquito".

- Entre as colecções que possuis, quais as que consideras mais valiosas quanto à raridade?

- "Mosquito", "Mundo de Aventuras", "Titã" e "Condor Popular".

- E quanto ao conteúdo?

- "Cavaleiro Andante" e "Tintin".

- E no que se refere a ambos os aspectos - valor quanto à raridade e conteúdo?

- "Diabrete".

- Qual é a revista mais antiga que possuis?

- O nº1 do "Mosquito", editado em Janeiro de 1936.

- Qual a colecção que te deu, ou está a dar ainda, maior dificuldade em completar?

- A "Condor Popular".

- Estás neste momento a coleccionar alguma revista portuguesa de BD?

- Estou a coleccionar três: "Mundo de Aventuras", "Jornal da BD" e "Mosquito", que são, lamentavelmente, as únicas em publicação que têm alguma qualidade.

- Tens alguma recordação ligada a qualquer das revistas que possuis?

- Nada de especial que mereça referência. 

- Terá havido na tua infância ou adolescência - até te pode ter acontecido recentemente - uma fase em que, em determinado dia da semana, ias à rua comprar uma revista de BD que estivesses a coleccionar. Ocorre-te algo (acontecimentos, sensações) ligados a essa fase?

- Ainda recentemente, e antes do "Mundo de Aventuras" entrar na fase de declínio, eu esperava ansiosamente a 5ª feira para o comprar. 

- Qual o preço mais elevado que pagaste por uma peça da tua colecção?

- Paguei vários "Mosquitos" a 200$00 há já dois ou três anos, o que equivalia a uma refeição completa num restaurante de média categoria.

- Colecionas álbuns de BD? Qual o critério que segues?

- Colecciono, mas sem qualquer critério; ou melhor, o meu critério é o de comprar tudo o que seja editado em Portugal, desde que tenha qualidade.

- Coleccionas mais alguma coisa?

- Selos e moedas, livros policiais e de ficção científica. Mas sem a paixão com que colecciono BD.

- A que atribuis essa paixão especialmente dedicada à BD?

- Talvez se deva ao facto de o meu pai ter trabalhado numa tipografia, o que me levou, desde muito jovem, a estar em contacto com livros e revistas. Por outro lado, o meu pai também escrevia uns versozinhos, e isso fez com que eu me empenhasse mais em tudo o que se realciona com a leitura.

- Conta-nos um episódio pitoresco da tua actividade de coleccionador de BD.

- Este, por exemplo: Eu costumo ir todos os sábados de manhã cedinho - aí por volta das 7 horas - à Feira da Ladra. Um dia, isto há cerca de quatro meses, excepcionalmente cheguei mais tarde, por volta das nove horas. Foi exactamente nesse dia que comprei a que considero a peça mais valiosa da minha colecção: o PONTO NEGRO, CAVALEIRO ANDANTE, um pequeno álbum da família do "Mosquito", pois pertencia à mesma editora.
No local onde encontrei essa publicação rara, que estava no meio do chão misturada com outras revistas, mas bem à vista, já tinham estado mais coleccionadores, por exemplo o Bretes e o Varandas, entre outros de que desconheço o nome. 
Foi realmente um golpe de sorte.

- Deve ter sido cara, essa peça...

- O vendedor queria dez escudos e eu, por hábito, ainda regateei. Acabei por comprá-la por cinco escudos! Foi uma pechincha inacreditável. 

- Sei que um dia houve em tua casa um episódio de que foi potagonista a tua filha. Gostaria que o contasses em pormenor, masnão sei se o queres antes incluir nas recordações tristes...

- Bem, atendendo a que foi passado com uma criança, prefiro que o incluas na parte a que se refere a casos pitorescos, embora entre aspas.
Esse episódio a que te referes teve como intervenientes a minha filha Guida, que tinha nessa altura cerca de um ano, e o meu sobrinho Paulo Jorge, da mesma idade. 
Quando começaram a andar, a primeira grande obra que fizeram foi entreterem-se a rasgar, a um e um, quase completamente a minha colecção do "Zorro". Fui encontrá-los, todos satisfeitos, nessa "tarefa", no momento em que estavam a arrancar as folhas do meio, onde aparecia o Tintin, pelo qual mostravam especial "predilecção"...
Acrescento que esses pequenos vândalos são hoje apaixonados apreciadores de Banda Desenhada.

- Conta lá agora as recordações que consideras tristes, relacionadas com as tuas colecções de BD.

- Recordações tristes relacionadas com as minhas colecções tenho várias, mas que apenas têm a ver comprocedimentos menos correctos assumidos por outros coleccionadores.
Por exemplo, já me aconteceu com um coleccionador, que considero amigo, o seguinte: combinei com ele ficar-lhe com uma das colecções que ele tem em excedente - o "Pirilim" e o "Faísca" - e que estava interessado em vender. 
Quando lhe telefonei, como tínhamos combinado, para marcarmos um encontro, mandou a esposa responder-me que estava adoentado, mas comprometeu-se a telefonar-me depois.
Nunca mais me disse nada, e posso supor, sem grandes hipóteses de erro, que ele já mudou de ideias. O que me magoa, neste caso, é a falta de limpidez deste tipo de atitudes, para além da falta de elegância, especialmente entre pessoas que mantêm, há anos, relações de amizade.
Como curiosidade, acrescento que o coleccionador com quem se passou esse episódio é o mesmo a quem eu cedi a tal colecção quase completa do "Tic-Tac".
Outro caso aborrecido foi o que se passou com um volume da "Colecção Aventuras". O Ernesto Assis tinha-se comprometido a ceder-mo; um dia, quandolhe perguntei pelo volume, disse-me que o tinha trocado contigo por um volume encadernado do "Diabrete" (formato grande).

- Foi exactamente assim. Por acaso o Assis acabou por vender esse volume do "Diabrete" ao Jaime das Escadinhas do Duque, por quinhentos escudos. Mais tarde tornou a comprá-lo por um conto e quinhentos! Negócios à Assis...
Em relação ao tal compromisso que ele teria contigo, eu desconhecia-oem absoluto, como ficou esclarecido na altura.

- É verdade. Entretanto o Assis acabou por recuperar o volume do "Diabrete"; eu é que nunca mais consegui o tal volume do "Aventuras". A propósito: queres-mo vender? Dou-te cinco contos. 

- A parte de "negócios" fica para depois. Mas desde já te digo que não estou interessado em desfazer-me dessa peça. 
Responde-me agora à última pergunta deste questionário/entrevista: Na tua opinião, qual a influência, para a BD, que pode resultar da actividade dos coleccionadores?

- Acho que a actividade dos coleccionadores tem uma influência extremamente benéfica,  já que vai recuperar revistas que, de outra forma, acabariam por se perder irremediavelmente.
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Imagens que ilustram o "post":

1. "O Mundo de Aventuras" - Capa do nº 2, de 25 de Agosto (5ª feira) de 1949
2. "Álbum do Cavaleiro Andante" - Capa do nº 55, de Dezembro de 1958
3. "Flecha" - capa do nº 2, de 4 de Novembro de 1954
4. "Zorro" - capa do nº 58, de 16 de Novembro de 1963
5. "Condor Popular" - capa do nº4 - Volume 25 - (sem data indicada)
6. "Titã" - capa do nº 11 (da autoria de Hal Foster. Atenção Manuel Caldas: conhecias esta capa?) de 21 de Dezembro de 1954
7 e 8 - Páginas da revista "Coleccionando" onde está publicada a entrevista.
9 - Capa da revista "Coleccionando" - Nº 1 - 2ª Série - Novembro de 1985
10 - Retrato do coleccionador Raul Ribeiro                      
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Os visitantes interessados em ver os oito artigos anteriores poderão fazê-lo, clicando no item Coleccionadores e Colecções de BD visível no rodapé     

4 comentários:

Manuel Caldas disse...

Caríssimo Geraldes Lino:
Vi a tua chamada de atenção para a capa do “Titã” com um desenho do Hal Foster e tenho a dizer-te o seguinte…
Trata-se da quarta das seis ilustrações que, acompanhadas de um breve texto cada uma delas, formam a série (se tal lhe podemos chamar) “The Christmas Story”, criada em 1948 para ser publicada diariamente nos jornais na época natalícia, o mais provável, de acordo com as práticas da King Features Syndicate e das agências do género, ao longo da semana que culminaria com o dia de Natal.
Contudo, uma consulta que fiz há dois anos a arquivos on-line permitiu-me verificar que em pelo menos um jornal a primeira dessas ilustrações se publicou afinal ainda antes do início do Advento, em 25 de Novembro daquele ano. Mas a maior parte publicou-a realmente na semana do Natal.
Mais tarde, a King Features relançaria a série com um título diferente: “The First Christmas From de Gospel According St. Luke”.
Por coincidência, a imagem que o “Titã” usou na capa é a mesma imagem que eu das seis seleccionei para aparecer na página 100 de “Foster e Val: os Trabalhos e os Dias do Criador de ‘Prince Valiant’”, o livro cujo ortografia tu próprio reviste. Este livro (de que existem ainda – isto é publicidade descarada – muitos exemplares disponíveis para os interessados) comenta obviamente “The Christmas Story”, mas refere datas erradas, que foram aquelas a que na altura a minha pesquisa me levou.
Uma curiosidade: na capa do “Titã” a assinatura do Foster não é a original, está redesenhada.
Uma informação: no número 14 do meu fanzine “Zero” (isto não é publicidade, pois já está esgotado) estão publicadas as 6 ilustrações e os seus correspondentes textos.
Para terminar: o texto desta obra não é certamente do Foster, apesar de haver nas suas últimas linhas uma ambiguidade que casa bem com a sua ironia: “Todos acreditamos nos ensinamentos do Príncipe da Paz. Um dia segui-lo-emos e conheceremos por fim a paz.”
Um dia…
(mcaldas59@sapo.pt

Geraldes Lino disse...

Caríssimo amigo Manuel Caldas

Como não poderia deixar de ser, mais uma vez demonstraste ser a maior sumidade portuguesa - quiçá mundial - no que concerne ao conhecimento da obra de Harold Foster.
Muito te agradeço a pormenorizada informação acerca desta capa do nº 11 da antiga revista de BD "Titã".
Grande abraço.

Ramones disse...

Boas gostaria de lhe mostrar uma colecção, Audacia, como lhe posso enviar fotos dos livros dessa colecção?
Obrigado

Pedro Faria - pedrofaria2000@gmail.com

Geraldes Lino disse...

Caro desconhecido Pedro Faria aka Ramones

Pode enviar-me fotos dos exemplares da revista "Colecção Audácia" para o meu email geraldes.lino@iol.pt
Mas esclareça-me: possui a colecção completa da citada revista?
E com que finalidade me quer enviar fotos dessa colecção?

Cordialmente,
Geraldes Lino