segunda-feira, março 28, 2016

Entrevistas Antigas a Autores de BD (VII) - Renato Abreu



Continuo a reproduzir entrevistas que fiz há muitos anos a novos (na época, claro)autores portugueses de BD. Acho interessante constatar, em várias passagens das respostas deles, quão actuais elas se mantêm, infelizmente, na maior parte dos casos. Embora, claro, com algumas alterações mais positivas.

Cabe a vez à entrevista com Renato Abreu, publicada originalmente no jornal (já desaparecido, como vários outros) Diário Popular, no seu suplemento "Tablóide" nº13, de 21 de Dezembro de 1985.

(Ilustra o post: Reprodução da entrevista e 1ª prancha da bd)

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Revistas de BD
- Que autores, que mercado

RENATO ABREU - O GRAFISTA QUE SE APRESENTA AQUI - AFLORA ESTE PROBLEMA FAZENDO UMA COMPARAÇÃO COM O PANORAMA DO PAÍS VIZINHO. DIZ ELE: «EM ESPANHA HÁ MUITAS REVISTAS QUE VÃO DIVULGANDO OS AUTORES. ISSO FUNCIONA COMO UMA PROSPECÇÃO DE MERCADO. DEPOIS OS AUTORES MAIS POPULARES SÃO EDITADOS EM ÁLBUM.»
A ILAÇÃO FICA EVIDENTE: NÃO É ISSO O QUE SE PASSA EM PORTUGAL, E ESSA SERIA UMA DAS RAZÕES PARA O DECLÍNIO DA BD PORTUGUESA.

Renato Abreu não é pessoa de muitas falas; mas quando o assunto lhe interessa verdadeiramente torna-se mais loquaz. Tem um ar pachorrento, raramente acelera o passo, o seu riso é breve. As bandas desenhadas que faz completam talvez a sua personalidade: predominam as manchas negras, compostas num estilo anguloso e agreste. É nesse tipo de composição, de figuras estilizadas, que este grafista invulgar gosta de se expressar plasticamente.

Renato Lima Simões e Abreu nasceu em Lisboa, e fará vinte e nove anos amanhã. Frequentou o 1º ano de Antropologia, no Instituto Superior de Ciências Políticas. Passou pelo IADE, onde participou num curso de Banda Desenhada,orientado por Vítor Péon, e num outro de Artes Gráficas e Arquitectura de Interiores. Também frequentou os «ateliers» de pintura e desenho do AR.CO.

Entretanto, para subsistir, trabalha em «part-time» numa torrefacção. Quase será desnecessário acrescentar que a sua actividade profissional não tem a mínima relação com a iniciação artística que possui. Para compensar, utiliza os seus tempos livres a desenhar. Neste momento, por exemplo, está a fazer em banda desenhada uma lenda moçambicana para o «África Jornal». Título: «Alaliya».

E como se está a falar de banda desenhada, peço a Renato Abreu que a defina.

- Banda Desenhada: conjunto de desenhos, com uma certa sequência, contando uma história que obedece a um guião.

- E para si, pessoalmente, o que é que significa?

- É mais do que um passatempo. Mas é-me difícil explicar. Gosto bastante daquilo que faço, dos desenhos, de explorar formas, dividir o espaço numa folha de papel branco, separar as manchas brancas...
Eu vejo muito a BD nesse aspecto: conseguir essa separação das manchas, os contrastes, dar-lhes um certo ritmo, uma estética agradável, pô-las de forma a dar-me prazer. É por isso que,por vezes, as formas que eu faço não têm nada a ver com desenho realista.

- Você agora está a fazer uma banda desenhada para um jornal. Será isso um sintoma de que o público está a demonstrar mais interesse pela BD?

- Acho que não. A prova é que as boas revistas de BD que temos cá, como é o caso de «O Mosquito», vendem-se pouco. Até mesmo os álbuns, que há aí à venda, não têm grande saída. Por exemplo: aquele da Meribérica, a «Scarlett Dream», tem um óptimo desenho e vendeu-se pouco. Não há mesmo esperanças de se acabar a série, por falta de interesse do público.

- Bem, mas isso também tem a ver com as preferências dos apreciadores de BD. Sabe muito bem que o «Astérix», o «Lucky Luke», o «Michel Vaillant», o «Incal», o «Torpedo 1936», e até aqueles álbuns brasileiros com as aventuras de «Tintin» são êxitos de vendas. E posso dizer-lhe que nas cartas que chegam ao Suplemento BD («Jornal da BD»), a «Scarlett Dream» é das séries menos apreciadas...

- São gostos. Mas há outra coisa: quem é que incentivou o gosto pelo «Astérix», e até pelo «Corto Maltese» de Hugo Pratt? Foram revistas como o «Tintin», que teve uma longa vida. Foram catorze anos sempre a martelar nas histórias do «Tintin», do «Astérix» e no «Corto Maltese», neste caso menos tempo.

- Mas voltando ao princípio da questão: você não admite que as perspectivas em relação à BD possam vir a melhorar?

- Acho que não, absolutamente. O ambiente está muito morto. Isso vê-se pelas poucas revistas actualmente existentes: «Mosquito», «Mundo de Aventuras» e «Jornal da BD», estas duas com péssima qualidade de impressão, agravadas no M.A. pelo formato, demasiado pequeno.
No estrangeiro, por exemplo em Espanha, há muitas revistas que vão divulgando os autores. Isso funciona com uma prospecção de mercado. Depois, os autores mais populares são editados em álbum Em resumo, o que eu quero dizer é que o facto de haver poucas revistas não favorece o desenvolvimento da BD em Portugal.

- Concordo com essa opinião. Eu próprio costumo afirmar que as revistas de BD são muito importantes para a divulgação inicial das séries e dos autores. Mas, infelizmente, essa sequência lógica está a alterar-se em Portugal: o público, mesmo os jovens, começam a preferir comprar apenas os álbuns, e não apoiam as revistas. Isso, no futuro, dificultará ainda mais o aparecimento de novos valores... As editoras não se arriscarão a editar álbuns (que exigem elevado investimento) com obras de autores desconhecidos.
Mas, de há uns anos a esta parte, tem-se verificado aumento de interesse dos jornais pela BD. Você, por exemplo, está neste momento a beneficiar disso, não é verdade?

- Sim, de facto estou agora a colaborar no «África Jornal» com uma banda desenhada intitulada «Alaliya».

- E o que é que já publicou em revistas?

- Em 1984 colaborei na revista de «Campismo e Caravanismo», fazendo capas e ilustrações. Em «O Mosquito», além de ilustrações para um conto de A.J.Ferreira (M. nº10 - Nov.85) foi reproduzida (Março 85 - M. nº6) a minha bd intitulada «Luz» (que tinha sido o 1º Prémio do concurso do «Insecticida» (suplemento de «o Mosquito»). Num outro concurso (da ESBAL, este ano) obtive uma menção honrosa.

- Além desses concursos feitos cá, você também já concorreu a iniciativas congéneres realizadas no estrangeiro.

- Sim. Participei, com desenhos humorísticos, num concurso realizado em Anglet (França), mas não fui premiado. Fui mais feliz na VIII Exposição Internacional de Desenho Humorístico Desportivo em Ancona (Riviera del Conero): obtive o 4º lugar na especialidade «Caricatura».

- Voltando à banda desenhada: um dos aspectos mais populares são as personagens fixas. Você pensa vir a criar algo no género?

- Não. Enfim... um indivíduo, em BD, tem de tentar tudo. Por isso estou agora a trabalhar numa personagem «Daniel Crime». É um policial surrealista, cheio de «nonsense».

- Mas se não gosta de fazer «heróis» fixos, o que é que o levou a criar «Daniel Crime»?

- É uma experiência apenas, gosto de brincar. Eventualmente poderá vir a ser publicado...

- Dentro do estilo que prefere, pensa, no futuro, trabalhar em temas portugueses?

- No futuro e no presente é o que eu faço sempre.

- Mas «Alalyia», que você está agora a fazer, é um tema africano...

- É verdade. Mais concretamente, moçambicano.

- Foi uma excepção?

- Foi uma exigência do jornal: fazer uma b.d. sobre temas africanos, que tivesse algo a ver com Moçambique, Angola ou qualquer outro país africano de expressão portuguesa, visto que o jornal é feito cá.

- A propósito de cá: há algum desenhador português que mereça a sua admiração?

- Há vários de quem eu gosto, mas admiração - e eu entendo que ter admiração por alguém, neste caso, é gostar de o imitar - não tenho por nenhum. Mas posso citar Fernando Bento entre esses muitos autores de que gosto.

- E entre os estrangeiros?

- Oswald, Muñoz, Breccia, J.C.Forest, Franco Saudelli, entre muitos.

- Algum dele teve influência no seu estilo?

- Talvez Breccia (com «Mort Cinder») e também Muñoz.

- Quanto a heróis: há algum que considere excepcional? 

- O «Rato Mickey».

- Porquê?

- Pela sua longevidade.

- Há algum tema que o atraia em especial para adaptar à banda desenhada? 

- Ainda não pensei a sério nisso.

- O que pensa do «Tablóide»?

- Acho que é uma iniciativa única, que deveria ter companhia noutros jornais.                             

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Os interessados em ler as entrevistas anteriores (a Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões, António Ruivo, António Jorge Gonçalves, Luís Diferr) poderão fazê-lo clicando no item Entrevistas antigas a autores de BD visível no rodapé

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