Ouvir coleccionadores de BD falar das suas colecções de revistas e álbuns de banda desenhada, é acompanhar em pensamento as tentativas, com êxito ou fracassadas, de conseguir uma determinada peça em falta, ou uma colecção antiga completa, dificílima de conseguir encontrar.
É também uma viagem no tempo, a acompanhar um coleccionador de BD - afinal, em última análise, um compulsivo apaixonado pela Banda Desenhada.
É o caso de Carlos Gonçalves, que entrevistei para a revista Coleccionando em Abril de 1984 - e é tendo em atenção os quase trinta anos que entretanto se passaram, que esta entrevista deve ser lida. Repare-se que os preços mencionados pelo coleccionador ainda são em escudos...
Imagens que ilustram a postagem (de cima para baixo):
1. Capa do nº 110, Ano 3º, de 20 de Janeiro de 1935, da revista Tic-Tac
2. Capa do nº 216, Ano 5, de 31 de Janeiro de 1937, da revista Tic-Tac
3. Foto do coleccionador Carlos Gonçalves (a diferença mais visível, actualmente, é a de ter passado a usar bigode)
4. 1ª página da rubrica "Coleccionando bd" (nº3)
5. 2ª página da mesma rubrica
6, Capa da revista Coleccionando (nº5 - Abril 1984 - Preço 70$00)
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(Reprodução do texto da entrevista realizada em Abril de 1984)
O "TIC-TAC" a forrar um soalho
- Sacrilégio para um coleccionador de BD
Embora se trate de um facto insólito, CARLOS GONÇALVES foi dele espantada testemunha.
É claro que coisas destas muito dificilmente acontecem hoje, pois a notícia do interesse que despertam as antigas revistas de histórias aos quadradinhos já é bastante divulgada.
Todavia, ainda há bem poucos anos era possível presenciarem-se cenas iguais ou semelhantes, como se pode verificar pelo relato do nosso entrevistado.
Apaixonado pela BD, Carlos Alberto Davis Mártires Gonçalves nasceu em 10 de Novembro de 1941, em Lisboa, sendo actualmente Chefe de Departamento numa empresa ligada ao ramo automóvel. Fora da sua actividade profissional ele é, além de coleccionador de BD, um dos mais activos dirigentes do Clube Português de Banda Desenhada - CPBD, de que foi um dos fundadores.
Como exemplo da sua infatigável acção, cita-se o facto de manter, praticamente sozinho, duas secções dedicadas ao estudo e divulgação da especialidade: "Correio da Banda Desenhada" (às 5ªs feiras no "Correio da Manhã"), e "A Coluna da Banda" (na edição dominical do "Diário Popular").
Possuidor de uma capacidade de trabalho bastante invulgar, tomou também a seu cargo, desde 1977 - salvo esporádicas excepções - a montagem do "BOLETIM", fanzine bimestral do CPBD.
Ouçamo-lo na sua faceta de coleccionador.
- Carlos Gonçalves: quando começaste a coleccionar revistas de Banda Desenhada?
- Tanto quanto me lembro, desde os 5 anos, pois nessa altura a minha mãe trabalhava em modista, numa casa em Benfica, cujo dono tinha "O Mosquito" desde o número 1, que li, e dos quais me foram dados alguns. Posteriormente desapareceram... Mas a minha primeira colecção que adquiri toda, semana a semana, foi o "Cavaleiro Andante" (que ainda possuo). A partir daí comecei a comprar tudo o que saía, embora no ano em que fui para a tropa, tenha vendido muitas das revistas que possuía na altura, e que voltei a adquirir mais tarde.
- Quais as melhores colecções que tens?
- A melhor é "O Mosquito", contando também com o "Diabrete", "O Mundo de Aventuras", "O Senhor Doutor" e principalmente muitas brasileiras, mesmo antigas.
A mais rara para mim é o "Escudo", revista portuguesa da qual sairam três números em 1956/7.
- Qual o preço mais elevado que pagaste por uma peça portuguesa e/ou estrangeira e quanto?
- O mais caro que paguei por exemplares de revistas portuguesas foram 50$00. Adquiri alguns números do "Tic-Tac" por este preço.
- Coleccionas mais alguma coisa?
- Já coleccionei postais e caixas de fósforos.
- Qual a colecção que te deu ou está a dar mais dificuldade em completar?
- A mais difícilde completar tem sido o "Abczinho" e o "Tic-Tac". Desta última não conheço ninguém que a tenha completa.
- Lembras-te de algum episódio pitoresco da tua actividade de coleccionador?
- Lembro-me de três por sinal, que não me importo de contar, desde que não mace os leitores... Ao mesmo tempo servirá para dar uma ideia da paciência que o coleccionador deverá ter para conseguir adquirir as revistas que lhe faltam na colecção e da grande dose de sorte, que normalmente o deve acompanhar, quando procura ansiosamente aquilo que gostaria de ter.
Vamos aos episódios:
Aí em 1976 (mais ou menos) - foi depois que alguns dos residentes no Ultramar voltaram à Metrópole -, adquiri uma colecção do "Diabrete", numa banca de revistas antigas a menos de 1$00 cada exemplar. Custou-me 860$00. Hoje vale 25.000$00.
Passado pouco tempo, talvez um ano depois, adquiri um exemplar do Almanaque de "O Mosquito" de 1945, que estava no meio do chão, na rua, misturado com outras revistas mais recentes que um pobre homem vendia junto ao Jardim da Estrela. Custou-me 2$50. Hoje custaria duzentas vezes mais, pelo menos. Não pagou o seu valor.
Mas o episódio mais curioso que tenho, quanto à aquisição de revistas de Banda Desenhada é o de uma vez, passando muito despreocupadamente por uma tabacaria, no bairro onde moro, verifiquei que o soalho de tábuas (à antiga), se encontrava muito lavadinho e a forrar o mesmo, porque este ainda apresentava indícios de humidade, várias folhas de banda desenhada. Curioso, aproximei-me, e qual não é o meu espanto quando vi que se tratava de páginas pertencentes à revista "Tic-Tac". Perguntei à senhora onde tinha conseguido aquelas folhas. Amavelmente respondeu-me que tinha umas revistas dessas para qualquer canto e depois de muito procurar, lá as encontrou. Foram 160 números da revista mais rara em Portugal, compradas a 1$00 cada. É claro, trouxe também as folhas soltas que andavampelo sobrado fora, algumas já pisadas pela senhora e por mim. Com elas ainda completei mais alguns números, que me foram oferecidos...
- Tens alguma recordação desagradável com a perda, por qualquer motivo, de exemplares ou colecções que tenhas possuído em tempos?
- Não. Unicamente recordo as revistas que vendi. Mas essas, quase que as recuperei todas.
- Qual a influência para a Banda Desenhada de haver coleccionadores?
- A maior influência que tem é que quanto maior for a procura, menor será a oferta, consequentemente, os preços sobem, o que aliás se tem verificado de 2/3 anos a esta parte.
"O Mosquito" que era a revista mais cara, custava 10$00, hoje custa 50$00, bem como muitas outras revistas que ninguém comprava.
Hoje tudo se vende e normalmente a preços proibitivos, isto já sem contar com a dificuldade que se tem em encontrar material.
Texto e foto por Geraldes Lino
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Os visitantes interessados em ver os três artigos anteriores poderão fazê-lo, clicando no item Coleccionadores e Colecções de BD visível no rodapé
3 comentários:
Caro Geraldes Lino,
“…da paciência que o coleccionador deverá ter para conseguir adquirir as revistas que lhe faltam na colecção e da grande dose de sorte, que normalmente o deve acompanhar, quando procura ansiosamente aquilo que gostaria de ter.”
Não poderiam ser mais verdadeiras estas palavras do Carlos Gonçalves!
Com muita paciência e alguma sorte podem-se descobrir verdadeiras pérolas para a nossa colecção que não estávamos à espera de encontrar naquele monte de BD’s perto do chão ou do tecto num qualquer alfarrabista.
Aconteceu-me isso ontem! Numa pilha de comics mal tratados no fundo de uma estante, também quase a forrar o soalho de um alfarrabista do Porto, encontrei, em relativo bom estado, o nº 42 da Tit-Bits da Ediciones Record, o meu primeiro exemplar de historieta argentina e os nº 21 a 29 da Savage Sword of Conan, igualmente os primeiros da colecção. Assim sem mais nem menos e bem baratos!
Abraço
Caro André Azevedo
Num alfarrabista do Porto? Não me diga que foi no Chaminé da Mota!
(Conheci esse importante livreiro portuense ainda ele vendia as revistas em cima de um pano, no chão, na Feira de Vandôma, ao lado da Catedral!)
Acho bastante curiosa a semelhança do episódio que lhe aconteceu com o do Carlos Gonçalves. Pelo que vejo, também terá muitas histórias na sua actividade de coleccionador.
Grato pela visita.
Abraço.
Caro André Azevedo
Num alfarrabista do Porto? Não me diga que foi no Chaminé da Mota!
(Conheci esse importante livreiro portuense ainda ele vendia as revistas em cima de um pano, no chão, na Feira de Vandôma, ao lado da Catedral!)
Acho bastante curiosa a semelhança do episódio que lhe aconteceu com o do Carlos Gonçalves. Pelo que vejo, também terá muitas histórias na sua actividade de coleccionador.
Grato pela visita.
Abraço.
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